São Paulo, quinta-feira, 18 de agosto de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
CARLOS HEITOR CONY Os deuses de Hitler RIO DE JANEIRO - Não tenho mais idade para me surpreender com nada que aconteceu, acontece ou acontecerá no mundo. Mesmo assim, como os dependentes de drogas, tenho recaídas atormentadas. Uma nem chegou a ser uma recaída, apenas me esquecera dela, e um livro sobre a Segunda Guerra Mundial a trouxe de volta. Já no final do conflito, com a Alemanha praticamente vencida, Hitler jantava com o pequeno círculo de colaboradores que o cercavam na toca do lobo. Vegetariano, frugal, falando muito e alto diante de plateias imensas, era reservado, quase taciturno na intimidade. Dois convivas falavam sobre Wagner, um deles preferia o "Lohengrin", o outro, "As Valquírias". Dois temas profundamente alemães, da velha mitologia germânica que nada tem com a sua equivalente mediterrânea que predominou no ocidente greco-romano. Hitler, que admirava Wagner pelo conjunto da sua obra, praticamente não tinha preferências. Uns falavam que gostava muito de "Os Mestres Cantores", outros garantiam que sua alma fora vendida a "Tristão e Isolda". De repente, como que saindo de um sono milenar, o ditador disse pausadamente: "Quem não entende Wagner jamais entenderá o nazissocialismo". Ninguém falou mais nenhuma palavra. Comeram em silêncio e cada qual ficou na sua. Hitler devorou uma torta com creme e levantou-se, retirando-se para os seus aposentos, deixando no ar aquela observação inesperada. Sem escolaridade formal, vendendo pequenas aquarelas para os turistas que visitavam a catedral de Viena, cabo anônimo durante o primeiro conflito mundial, depois de ter conquistado metade do mundo e iniciando seu fim após ter desgraçado todo um tempo na história do homem, ele se refugiou em "Lohengrin", nas "Valquírias", sei lá em que diabo -no fundo, seu deus preferido. Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Pântano que traga ministros Próximo Texto: Kenneth Maxwell: Zonas de perigo Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |