São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005 |
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Tem limite?
LAYMERT GARCIA DOS SANTOS E FRANCISCO DE OLIVEIRA
Não deixa de ser irônico constatar que Lula chegou "lá" pelas mãos do mesmo marqueteiro que agora contribui para destituí-lo. Sabe-se que o presidente petista optou por aprofundar a implantação da lógica neoliberal de seus antecessores; mas não se vê menção ao fato de o partido ter começado a abraçá-la ao substituir a política pelo marketing. Pois foi na estratégia de suas campanhas que o líder e o PT renderam-se ao neoliberalismo. Sempre se precisou de dinheiro para vencer eleição; em tempos neoliberais, porém, o processo exige muito dinheiro. O problema é incontornável, torna a corrupção endêmica e se agrava porque a relação marketing-corrupção não se restringe ao campo eleitoral se pensarmos, com Deleuze, que, no capitalismo atual, a corrupção ganha uma nova potência quando o marketing se torna "o instrumento de controle social e forma a raça impudente de nossos senhores". Nesse sentido, o "timing" dos eleitores e militantes do PT está atrasado: o "escândalo" maior não reside na revelação das "mutretas" -escandalosa não é a desconstrução do PT, é a construção da vitória de Lula e de seu governo em bases neoliberais. Parafraseando o filósofo, só existe uma verdade universal no capitalismo contemporâneo: o mercado. Por isso mesmo, o neoliberalismo considera que o Estado não deve governar para a sociedade. Nunca é demais repetir: trata-se de governar para o mercado, e não por causa dele, o que implica regular a sociedade para que ela se curve aos interesses econômicos. É o que o presidente e o seu "staff" vinham escrupulosamente fazendo, até mesmo quando votos foram comprados para obter a aprovação da reforma da Previdência e da Lei de Biossegurança. Entretanto governar para o mercado tem um ônus que não parece ter sido bem compreendido: na medida em que a política consiste em não ter política, fica impossível servir ao mercado e, ao mesmo tempo, pretender monopolizar no plano político a intermediação de seus interesses. Nesse sentido, o conflito Palocci/Dirceu, que alimentou a surda luta palaciana pelo poder até a eclosão do escândalo, pode ser visto como a expressão dessa incompatibilidade e sugere, aliás, o caráter anacrônico da iniciativa de aparelhar o Estado, cujo risco seria a emergência de uma instância com alguma autonomia em relação ao mercado. A crise é um episódio de uma espécie de "golpe de Estado permanente" perpetrado pelo mercado contra as instituições republicanas e democráticas. Há já algum tempo o capitalismo vem se mostrando incompatível com a democracia. Na periferia, tal incompatibilidade reveste-se de tons dramáticos, pois a aceleração permanente da economia não se compatibiliza com instituições políticas, cuja tarefa é, precisamente, regular a economia. Portanto, quando todos concordam em evitar a contaminação da economia pela política, estão apenas preparando a próxima crise. Os políticos e os governos parecem mariposas: voam em direção àquilo que os queima e os torna descartáveis. Vejamos em que estado está a crise: a blindagem do presidente parece urgente, quando ela não é mais necessária, pois o impeachment político já foi decretado. Faltam-lhe as formalidades jurídicas que, aliás, busca-se evitar pelas repercussões econômicas. Quem governa? A resposta está lá atrás: o mercado. Laymert Garcia dos Santos, sociólogo, é professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Francisco de Oliveira, economista e sociólogo, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é coordenador científico do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES João Alves Filho: Transposição insensata Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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