São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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FERNANDO CANZIAN

O touro de Lula

NO VELHO OESTE norte-americano, desbravadores entediados punham em uma mesma arena para lutar até a morte touros contra ursos. Os movimentos dos animais em combate criaram as duas imagens que regem o mercado de ações na América. O touro cabeceia para cima, mostrando um cenário promissor.
O urso lança as patas para baixo, representando o pessimismo.
Em 1989, o artista Arturo Di Modica baixou um touro de bronze de 3.200 kg na frente da New York Stock Exchange, em Wall Street.
Queria celebrar a recuperação do mercado depois do "crash" de dois anos antes. A polícia removeu a obra, mas, a pedido de investidores, a instalou dois quarteirões abaixo. O touro está lá até hoje, em posição de ataque. Mas não há nenhum sinal de ursos por perto.
Foi o otimismo dos EUA e dos mercados nos últimos anos quem criou a bolha de ativos e crédito sem precedentes na história, que explodiu. Segundo cálculos do economista Yoshiaki Nakano, da FGV, ela representava cerca de US$ 10 trilhões em 1980, o equivalente ao então PIB (Produto Interno Bruto) do planeta. Em 2006, o valor atingiria US$ 167 trilhões, quatro vezes o PIB mundial. Quando a crise "subprime" eclodiu, o monstro financeiro pesava US$ 200 trilhões.
Isso só foi possível, como estamos aprendendo, pelo fato de um único dólar, em alguns bancos, ter lastreado outros US$ 35 em operações que agora desmoronam. A lógica indica, portanto, que o mundo enfrentará nos próximos meses, ou anos, uma fortíssima contração de crédito. Até que as contas da crise (privadas e das intervenções estatais) sejam pagas.
O presidente Lula diz que a crise será "quase imperceptível" entre nós. O argumento tem pontos fortes: os bancos estão sólidos, os consumidores aqui têm baixa exposição ao crédito, as empresas tiveram margens de lucro altas e, assim como o setor público, hoje devem muito menos em dólares.
O problema é a porta dos fundos.
Há seis meses o Brasil já está no vermelho em suas transações com o resto do mundo. Precisará, em 2008, de US$ 30 bilhões em crédito e investimentos de fora (dólares) para se financiar sem que haja uma abrupta desvalorização do real.
Com o saldo comercial em queda, mais o previsto desaquecimento global, o país pode precisar de bem mais do que isso em 2009 -num ambiente de crédito muito restrito.
Em setembro, o real já perdeu 14,3% de seu valor. Lula diz que o Brasil tem US$ 205 bilhões em reservas para defender a moeda. Isso equivale, calcula Nakano, a 35% de tudo o que pode ser transformado em dólares (depósitos à vista, aplicações etc.) da noite para o dia no país. Em 1998, antes da crise que derreteu o real, eram US$ 74 bilhões em reservas. Detalhe: equivaliam aos mesmos 35% da conta que se faz hoje. O país era outro, certamente, mas não deu para o começo.


FERNANDO CANZIAN é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de Kenneth Maxwell.


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