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FERNANDO CANZIAN
O touro de Lula
NO VELHO OESTE norte-americano, desbravadores
entediados punham em
uma mesma arena para lutar até a
morte touros contra ursos. Os movimentos dos animais em combate
criaram as duas imagens que regem o mercado de ações na América. O touro cabeceia para cima,
mostrando um cenário promissor.
O urso lança as patas para baixo,
representando o pessimismo.
Em 1989, o artista Arturo Di Modica baixou um touro de bronze de
3.200 kg na frente da New York
Stock Exchange, em Wall Street.
Queria celebrar a recuperação do
mercado depois do "crash" de dois
anos antes. A polícia removeu a
obra, mas, a pedido de investidores, a instalou dois quarteirões
abaixo. O touro está lá até hoje, em
posição de ataque. Mas não há nenhum sinal de ursos por perto.
Foi o otimismo dos EUA e dos
mercados nos últimos anos quem
criou a bolha de ativos e crédito
sem precedentes na história, que
explodiu. Segundo cálculos do economista Yoshiaki Nakano, da FGV,
ela representava cerca de US$ 10
trilhões em 1980, o equivalente ao
então PIB (Produto Interno Bruto)
do planeta. Em 2006, o valor atingiria US$ 167 trilhões, quatro vezes
o PIB mundial. Quando a crise
"subprime" eclodiu, o monstro financeiro pesava US$ 200 trilhões.
Isso só foi possível, como estamos aprendendo, pelo fato de um
único dólar, em alguns bancos, ter
lastreado outros US$ 35 em operações que agora desmoronam. A lógica indica, portanto, que o mundo
enfrentará nos próximos meses, ou
anos, uma fortíssima contração de
crédito. Até que as contas da crise
(privadas e das intervenções estatais) sejam pagas.
O presidente Lula diz que a crise
será "quase imperceptível" entre
nós. O argumento tem pontos fortes: os bancos estão sólidos, os consumidores aqui têm baixa exposição ao crédito, as empresas tiveram margens de lucro altas e, assim
como o setor público, hoje devem
muito menos em dólares.
O problema é a porta dos fundos.
Há seis meses o Brasil já está no
vermelho em suas transações com
o resto do mundo. Precisará, em
2008, de US$ 30 bilhões em crédito
e investimentos de fora (dólares)
para se financiar sem que haja uma
abrupta desvalorização do real.
Com o saldo comercial em queda,
mais o previsto desaquecimento
global, o país pode precisar de bem
mais do que isso em 2009 -num
ambiente de crédito muito restrito.
Em setembro, o real já perdeu
14,3% de seu valor. Lula diz que o
Brasil tem US$ 205 bilhões em reservas para defender a moeda. Isso
equivale, calcula Nakano, a 35% de
tudo o que pode ser transformado
em dólares (depósitos à vista, aplicações etc.) da noite para o dia no
país. Em 1998, antes da crise que
derreteu o real, eram US$ 74 bilhões em reservas. Detalhe: equivaliam aos mesmos 35% da conta que
se faz hoje. O país era outro, certamente, mas não deu para o começo.
FERNANDO CANZIAN é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de Kenneth
Maxwell.
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