São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve ter legislação que regulamente a prática do lobby?

SIM

Lobby transparente e sob controle

JORGE HAGE

Há mais de dois anos, e sem relação com qualquer episódio recente, a Controladoria-Geral da União (CGU) iniciou amplo debate sobre a necessidade de regulamentar uma atividade que existe desde sempre, imersa na semiclandestinidade: a intermediação de interesses, ou lobby.
Em 2008, a CGU promoveu, em parceria com outras entidades, um seminário internacional sobre o assunto, com a presença de especialistas de outros países, debatendo regras e limites para a prática do lobby, a partir dos modelos externos e de ideias contidas em projetos que tramitam no Congresso Nacional, alguns há mais de 20 anos, como o de Marco Maciel.
As discussões envolveram o Conselho da Transparência da CGU, com participação do Instituto Ethos, da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais) e da Comissão de Ética, entre outros.
Disso resultou um projeto disciplinando o lobby em todos os Poderes. Esse projeto depende ainda de análise e consenso em outras áreas do governo.
Entendo que a pior maneira de tratar o lobby é a atitude hipócrita de fazer de conta que ele não existe, o que acaba por deixá-lo nas sombras, confundindo-se com outras atividades, bastante conhecidas, que melhor atendem pelos nomes de tráfico de influência, corrupção ativa e advocacia administrativa.
Estas, cujo tratamento cabe apenas ao Código Penal, é que se beneficiam de tal confusão, travestindo-se sob o rótulo de lobby. Seus praticantes nada têm de lobistas; o que são é criminosos.
É preciso mudar essa situação e regulamentar a atividade do verdadeiro lobby, de modo que ela se desenvolva às claras e dentro de regras do conhecimento geral.
Se o lobby é a defesa de interesses (legítimos), ele faz parte do jogo democrático, desde que se valha de meios lícitos e obedeça a regras iguais para todos. Em outras palavras, o que essa atividade precisa é, como qualquer outra, de regras claras e transparência total.
Em linhas gerais, a proposta da CGU parte do pressuposto de que a atividade de intermediação de interesses faz parte da democracia e pode ser legítima, desde que exercida nos termos da lei. Se não há lei, impera a confusão.
Afinal, o que ocorre quando entra em discussão, no Congresso ou no STF, um tema de grande repercussão e que gera conflito entre interesses opostos? Lobby.
Isso é assim tanto nas questões mais nobres, como a proposta popular da Lei da Ficha Limpa, como em decisões envolvendo interesses econômicos, como os de produtores de alimentos transgênicos ou os de categorias que postulam vantagens remuneratórias.
Tudo isso é lobby.
Mas o representante de uma empresa que procura um agente público ou político para oferecer propina em troca de uma decisão favorável também se diz lobista.
Portanto, norma que estabeleça clara distinção entre uma coisa e outra e obrigue à transparência e ao registro público dos lobistas assume extrema importância.
Essa norma, para ser eficaz, deve: definir o lobby e o lobista; exigir a publicidade da sua atuação; prever o registro como condição de exercício; e fixar normas de conduta, com sanções para as violações.
É um projeto com essa configuração que a CGU elaborou e que esperamos possa ser enviado em breve ao Congresso, sempre na perspectiva de prosseguir ampliando a transparência e consolidando a democracia brasileira.
Por óbvio, tal lei não é panaceia contra a corrupção. Mas é mais um passo nessa peleja, que irá somar-se a tantas outras iniciativas já lançadas pela CGU nos últimos anos.


JORGE HAGE, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é ministro-chefe da Controladoria Geral da União.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: Cesar Maia: Dois votos ao Senado?

Próximo Texto: Rafael Cláudio Simões: Combater a corrupção exige mais que leis

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.