São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Critérios do Enem prejudicam São Paulo

CARLOS EDUARDO BINDI


Se o peso da redação na média final fosse de 1/5, e não de 50%, o Estado teria 16 escolas a mais no ranking das cem melhores do Brasil


A lista das cem primeiras escolas do país, no ranking do Enem 2010, coloca São Paulo atrás do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. O que não decorre da qualidade das suas escolas, mas de um critério do MEC que deforma os resultados do Enem. Vejamos como isso ocorre.
As provas do Enem, aplicadas em dois dias, são compostas por 180 questões e uma redação. As questões são divididas em matemática, ciências naturais, ciências humanas e linguagem. Em redação, o candidato deve fazer um texto de oito a 30 linhas.
A nota que o MEC chama de "média total" das escolas é calculada a partir de duas pontuações. Uma congrega as quatro matérias de conhecimentos -é a dita "média nas objetivas". A outra é a "média em redação". A nota final é a soma das duas, dividida por dois.
Essa conta esconde graves problemas. Vamos ilustrar com as notas e colocações em cada teste de uma escola do Mato Grosso que ocupa o 19º lugar no ranking nacional do Enem 2010: Em matemática, a média de 672,93 pontos lhe valeu a 571ª colocação. Os 619,62 pontos da prova de linguagem alçaram-na ao 232º lugar. Em ciências naturais, foi a 213ª, com 613,11 pontos. Já em ciências humanas, a instituição chegou à 117ª posição na esteira de seus 681,21 pontos. A média dos quatro testes objetivos (646,72 pontos) colocou-a como a 254ª do exame. Ou seja, 253 escolas a superaram.
Uma única nota, a de redação (788,82 pontos) -quarta mais alta do país- bastou para elevar a pontuação final a 717,77 pontos e promover a escola da 254ª para a 19ª colocação nacional.
Uma só prova ocultou o desempenho muito mais fraco de outras quatro? O motivo da discrepância está no peso excessivo da redação: ela responde por metade da nota total. Se, a exemplo do que as faculdades fazem com as notas do Enem, o peso do teste discursivo se limitasse a um quinto da média final, diminuiriam as distorções.
Dando à redação do Enem a mesma participação de cada uma das outras notas, uma nova classificação faria a escola de Mato Grosso descer da 19º para o 103º posto.
O significado disso tudo é de estarrecer qualquer pessoa que tenha respeito por números e suas sérias implicações na vida das pessoas.
É com essas médias totais de mérito duvidoso que são tecidas as discussões sobre qualidade das escolas. Entretanto, muitas diferenças entre essas notas, às vezes de grande efeito, nada têm a ver com a qualidade de ensino, sendo mero resultado da aplicação de pesos altamente questionáveis. Redação quatro vezes mais relevante do que cada uma das outras provas é algo que nenhuma faculdade admite em sua seleção. A lista do MEC é a única a adotar esse critério. Há outros desdobramentos. As posições dos Estados a partir das notas do Enem também estão distorcidas. Entre as cem escolas que atingiram as maiores médias em 2010 -segundo os critérios do MEC- estão 32 do Rio de Janeiro, 25 de Minas Gerais e 19 de São Paulo.
No entanto, se a base comparativa for a "média nas objetivas" (ou seja, o índice de acerto das 180 questões que ocupam cerca de nove das dez horas de prova), São Paulo passa à frente, com 35 escolas, o Rio de Janeiro fica com 30 e Minas Gerais, com 19. Mais do que uma preocupação regionalista, esse ponto indica a necessidade de verificar os critérios de correção da redação em cada Estado.
Enquanto esses despropósitos permearem a classificação pelas notas do MEC, fica difícil entabular qualquer discussão séria sobre as "médias totais" das escolas.
Como nosso país poderá enfrentar os desafios que uma sociedade do conhecimento impõe se nossas avaliações são resumidas em tabelas tão mal resolvidas como essas?

CARLOS EDUARDO BINDI é educador e diretor do Grupo Etapa

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