São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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Confusão eleitoral

Decisões polêmicas do Judiciário impõem ao Congresso a necessidade de discutir uma ampla reforma política

ERA COSTUMEIRO, durante o regime militar, comparar-se o texto constitucional a uma "colcha de retalhos", tal o número de sucessivas intervenções a que fora submetido no decorrer dos anos. Atualmente, a omissão do Congresso no que diz respeito ao tema da reforma política ameaça produzir um resultado semelhante na legislação eleitoral.
Enquanto não há respostas claras do Poder Legislativo para questões como a organização partidária e o sistema de votação e representação popular, é o Judiciário que vai deliberando, ao sabor de consultas eventuais, sobre as regras a seguir.
A última decisão do TSE a respeito da fidelidade partidária reflete esse clima de imprevisibilidade e, para empregar o termo no seu sentido mais estrito, de casuísmo judiciário.
Entendeu-se, por unanimidade, que os eleitos para cargos majoritários -os de senador, prefeito, governador e presidente- estarão sujeitos a perder o mandato se trocarem de partido.
Do mesmo modo que em recente julgamento do STF, relativo aos cargos proporcionais, prevaleceu a interpretação de que pertence à legenda, e não ao candidato, o posto conquistado na eleição. No propósito, sem dúvida elogiável, de coibir as migrações partidárias, novas dúvidas e distorções tendem a surgir.
Suponha-se, por exemplo, que um prefeito mude de partido, tendo um vice-prefeito pertencente a outra agremiação. O trânsfuga perderia o mandato. Mas a posse de um vice proveniente de outro partido não garantiria à legenda do titular o controle sobre o cargo, direito que a decisão do TSE pretendia assegurar.
O julgamento da corte eleitoral acaba dissipando, aliás, um argumento lembrado com insistência quando se defendeu a fidelidade partidária para vereadores e deputados. Nesses casos, tratava-se, em tese, de garantir a cada partido um número de cadeiras proporcional ao dos votos recebidos, independentemente das defecções individuais que viesse a sofrer.
Nos cargos majoritários, contudo, o raciocínio não se aplica: o candidato não se beneficia de nenhum quociente eleitoral, sendo eleito com os votos que de fato conquistou individualmente -o que torna especialmente duvidosa a idéia de que o voto, numa eleição para prefeito ou senador, reflete a preferência num partido, e não na pessoa do candidato.
Seria, de resto, ilusório considerar que um sistema tão severo possa fortalecer a autenticidade das agremiações políticas brasileiras. Reunindo, sob pena de perda de mandato, um contingente virtual de trânsfugas, cada partido tenderia a ser ainda mais amorfo e incaracterístico do que é atualmente.
Não há decisões conjunturais, ainda que bem-intencionadas, capazes de resolver deficiências que atingem o conjunto do sistema. Só uma reforma política ampla atenderia a esse objetivo. Que as últimas decisões do Judiciário tenham pelo menos o efeito de impor a deputados e senadores uma pauta que, com crescente evidência, não mais se podem dar ao desplante de negligenciar.


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