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Confusão eleitoral
Decisões polêmicas do Judiciário impõem ao Congresso a necessidade de discutir uma ampla reforma política
ERA COSTUMEIRO, durante
o regime militar, comparar-se o texto constitucional a uma "colcha de
retalhos", tal o número de sucessivas intervenções a que fora
submetido no decorrer dos anos.
Atualmente, a omissão do Congresso no que diz respeito ao tema da reforma política ameaça
produzir um resultado semelhante na legislação eleitoral.
Enquanto não há respostas
claras do Poder Legislativo para
questões como a organização
partidária e o sistema de votação
e representação popular, é o Judiciário que vai deliberando, ao
sabor de consultas eventuais, sobre as regras a seguir.
A última decisão do TSE a respeito da fidelidade partidária reflete esse clima de imprevisibilidade e, para empregar o termo
no seu sentido mais estrito, de
casuísmo judiciário.
Entendeu-se, por unanimidade, que os eleitos para cargos majoritários -os de senador, prefeito, governador e presidente- estarão sujeitos a perder o mandato se trocarem de partido.
Do mesmo modo que em recente julgamento do STF, relativo aos cargos proporcionais, prevaleceu a interpretação de que
pertence à legenda, e não ao candidato, o posto conquistado na
eleição. No propósito, sem dúvida elogiável, de coibir as migrações partidárias, novas dúvidas e
distorções tendem a surgir.
Suponha-se, por exemplo, que
um prefeito mude de partido,
tendo um vice-prefeito pertencente a outra agremiação. O
trânsfuga perderia o mandato.
Mas a posse de um vice proveniente de outro partido não garantiria à legenda do titular o
controle sobre o cargo, direito
que a decisão do TSE pretendia
assegurar.
O julgamento da corte eleitoral
acaba dissipando, aliás, um argumento lembrado com insistência
quando se defendeu a fidelidade
partidária para vereadores e deputados. Nesses casos, tratava-se, em tese, de garantir a cada
partido um número de cadeiras
proporcional ao dos votos recebidos, independentemente das
defecções individuais que viesse
a sofrer.
Nos cargos majoritários, contudo, o raciocínio não se aplica: o
candidato não se beneficia de nenhum quociente eleitoral, sendo
eleito com os votos que de fato
conquistou individualmente -o
que torna especialmente duvidosa a idéia de que o voto, numa
eleição para prefeito ou senador,
reflete a preferência num partido, e não na pessoa do candidato.
Seria, de resto, ilusório considerar que um sistema tão severo
possa fortalecer a autenticidade
das agremiações políticas brasileiras. Reunindo, sob pena de
perda de mandato, um contingente virtual de trânsfugas, cada
partido tenderia a ser ainda mais
amorfo e incaracterístico do que
é atualmente.
Não há decisões conjunturais,
ainda que bem-intencionadas,
capazes de resolver deficiências
que atingem o conjunto do sistema. Só uma reforma política ampla atenderia a esse objetivo. Que
as últimas decisões do Judiciário
tenham pelo menos o efeito de
impor a deputados e senadores
uma pauta que, com crescente
evidência, não mais se podem
dar ao desplante de negligenciar.
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