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CLÓVIS ROSSI
O padre e o "correria"
SÃO PAULO - Imagino que o rapper Ferréz voltará em breve às paginas desta Folha para repetir, sobre
o caso da extorsão ao padre Júlio
Lancelotti, o que escreveu sobre o
Rolex de Luciano Huck. Ferréz terminava assim: "No final das contas,
todos saíram ganhando, o assaltado
ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio. Não vejo motivo
pra reclamação, afinal, num mundo
indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes".
O extorquido (padre Júlio) ficou
com a sua vida, o "correria" ficou
com o seu Mitsubishi Pajero, o
mundo continua indefensável e,
por extensão "o rolo foi justo para
ambas as partes", certo?
Errado, dirá o adepto da esdrúxula teoria de que é correto roubar
da "elite" e só da "elite". Funcionaria até como distribuição de renda
(sei que a teoria é ridícula, mas o ridículo no Brasil tem longa vida e
ampla difusão). Mas a sociologia tipo Ferréz justifica a criminalidade
a partir das duras condições de vida
dos "correrias".
Se é assim, está justificada a extorsão ao padre Júlio. Afinal, o chefe dos chantagistas é um ex-interno
da Febem, e todo mundo sabe quão
dura é a vida dos internos e dos ex-internos da Febem.
O único "erro", digamos assim,
dos chantagistas foi não terem escolhido Luciano Huck ou Ana Maria Braga ou Ivete Sangalo ou outro
desses personagens que enriquecem obrigando o "povo" a ver seus
programas ou seus shows.
Pena que o "erro" derruba toda a
sociologia. Padre Júlio não é rico
nem da elite, mas nem por isso deixou de perder o seu Rolex. Sociologia calhorda à parte, vamos aos fatos como eles são, na frase magistral do belíssimo artigo de Alba Zaluar, publicado segunda-feira:
"Defender o roubo como recurso
de distribuição de renda revela um
enorme desconhecimento das redes e tramas do submundo do crime, onde grassa o capitalismo mais
selvagem de que se tem notícia".
crossi@uol.com.br
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