São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA

A rodada da moeda


As lideranças globais devem propor uma "Rodada da Moeda", para disciplinar os atuais fluxos internacionais de capital e políticas cambiais

Está correta e possui bases jurídicas sólidas a recente iniciativa do governo brasileiro de propor a discussão da manipulação cambial e de seus efeitos perversos sobre o comércio internacional perante a Organização Mundial do Comércio.
Até o fim dos anos 1970, o FMI exercia controle estrito sobre o nível de taxa de câmbio dos países. Com a mudança das regras da instituição, em 1978, não houve mais governança sobre o tema e não foram estabelecidos novos princípios, que refletissem a nova realidade financeira mundial.
O Fundo é a instituição líder internacionalmente em matéria de política monetária, mas, segundo o artigo 1º de seu Acordo, foi criado também para "facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional, e contribuir para promoção e manutenção de altos níveis de emprego e renda e para o desenvolvimento dos recursos produtivos de todos os membros".
Ademais, o artigo 4º define que os países, por meio de políticas monetárias e cambiais, devem perseguir estabilidade financeira e evitar manipulação das taxas de câmbio.
No caso, há clareza sobre a missão do FMI: a seção 1 desse artigo prevê "evitar manipulação das taxas de câmbio ou do sistema monetário internacional, a fim de inibir ajustes de balanço de pagamentos ou ganhar vantagens competitivas artificiais sobre outros membros".
Ao FMI é dada a incumbência de desempenhar o papel de "firme supervisão" em relação às políticas cambiais exercidas pelos seus membros. O exercício de vigilância das políticas cambiais dos países não garante ao FMI o poder de compelir qualquer membro de usar artifícios contrários aos fins estabelecidos pelos artigos. Essa punição só se concretizará mediante o diálogo entre a OMC e o FMI.
O artigo 15 do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) define que, se a disputa entre países signatários envolver temas como balanço de pagamentos, reservas internacionais ou câmbio, o Fundo deve ser "plenamente" consultado e devem ser aceitas as suas determinações a respeito da consistência das práticas cambiais em relação aos artigos do Acordo do FMI.
Em resposta à proposta brasileira, no último dia 27 de setembro, o secretariado da organização lançou uma nota ambígua sobre a relação entre o nível de taxa de câmbio e os fluxos de comércio. Enquanto isso, no mundo real, a dita guerra cambial avança além das fronteiras nacionais e cria situação de beligerância econômica entre países relevantes.
Essa é a face mais escandalosa e absurda da guerra cambial, fruto de uma excessiva desregulamentação e da falta de controles dos mercados de derivativos.
Isso permite que alguns países possam especular sorrateiramente contra a moeda dos outros, camuflados atrás de renomados bancos internacionais, e com intenções não de lucro especulativo, como faria um especulador privado, mas de manipulação do valor das moedas de terceiros países, de forma a favorecer seus exportadores para aquele mercado importador específico.
Não há dúvidas de que este é o momento para um contundente pronunciamento do FMI e do exercício pleno de seu mandato como supervisor dos sistemas cambiais.
Mais do que isso, é hora de as lideranças mundiais em torno do G20 lançarem uma nova e corajosa Rodada Multilateral de Comércio e Finanças, a Rodada da Moeda, em que a disciplina dos fluxos internacionais de capital e das políticas cambiais fosse discutida e acordada entre países-membros.
Só a partir dessa iniciativa é que, de fato, a OMC e o FMI poderiam ser conjuntamente acionados, com mandatos bem definidos, para tomar atitudes firmes, evitando que novos e perigosos desdobramentos dessa guerra cambial ganhem contornos mais dramáticos a cada dia.

ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA, economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, é diretor titular de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.



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