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MÁRIO MAGALHÃES
O câncer dos políticos
NO PAÍS onde o cavalariano
João Baptista Figueiredo
escondeu enquanto foi possível os galopes do coração, até entrar na faca em Cleveland, e os médicos de Tancredo Neves anunciaram como diverticulite o que era
um tumor, há, enfim, boa nova.
É obra do vice-presidente José
Alencar a versão recente da rara
equação em que a soma de doença
e palácio resulta em transparência,
e não em segredo e fraude. O cabeça da linha sucessória informou o
presidente sobre o câncer no abdome, revelou-o aos cidadãos, afastou-se do governo e se submeteu a
uma cirurgia de sete horas.
A saúde dos homens públicos
tem interesse público, e não apenas privado. É um direito da sociedade saber se o eletrocardiograma
ou o exame histopatológico dos tumores dos governantes sugerem
mandatos inacabados ou não. Se
querem divulgar a freqüência com
que marcam hora no aplicador de
botox, é problema deles. Outra coisa é sonegar incertezas que podem
ter conseqüências em vidas
alheias.
É possível que o estigma de certos males contribua para que tantos políticos os tenham como incômodo que diga respeito apenas a
eles e a seus círculos íntimos.
Estão errados como os chefões
do Kremlin que empulhavam sobre suas fragilidades físicas e mentais com a determinação de um torturador stalinista. Ou como um homem de bem, o francês François
Mitterrand, cujo empenho em dissimular o câncer (informação de
relevância pública) era grande como a dedicação para manter em segredo puladas de cerca e procriação fora do casamento.
O Brasil ganha quando o (ex)ministro Luiz Gushiken assume o
câncer e, lição para tanta gente,
mostra que a doença não é um atestado de óbito. Perde quando um
ministro de Lula some por semanas sem dizer por que e um antigo
ministro se ausenta da campanha
da reeleição como por encanto.
Expor as traições da saúde exige
coragem pessoal e altivez democrática, como ensinou Mario Covas
na sua caminhada derradeira. Ou
como Bill Clinton, ao correr ao
hospital para se operar antes que
um infarto o fulminasse -e depois
contar os detalhes sobre o coração.
Por maior que eventualmente
seja o constrangimento particular,
é o comportamento de homem público que precisa prevalecer em
quem escolheu essa condição. De
algum modo, é um preço a pagar.
A transparência rende outros benefícios. Para citar uma só doença,
expõe a milhões de pessoas que
nem todo tumor é câncer, nem todo câncer mata, que câncer tem cura e, se o tumor da próstata é maligno, a cirurgia não implica impotência compulsória.
Com seu combate corajoso, José
Alencar presta um serviço e dá
exemplo.
mariomagalhaes@folhasp.com.br
MÁRIO MAGALHÃES é repórter especial da Folha.
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