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De volta a Doha
Recomendação do G20 para reativar rodada de liberalização comercial terá pouco valor sem concessões de EUA e Índia
A
REUNIÃO DO G20 acarretou algumas poucas
surpresas -todas leves, pois não se cogita
que uma cúpula assim extensa e
convocada às pressas possa esgotar e muito menos resolver a grave crise internacional de crédito.
Entre os raros imprevistos em
Washington esteve a recomendação dos chefes de Estado e governo para que a rodada Doha de
negociações sobre liberalização
do comércio seja retomada em
dezembro. É um bom sinal que
tal determinação tenha sobrevivido no comunicado do G20.
O retrospecto das negociações
no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) recomenda dosar a esperança com
generosa quantidade de cautela.
Só dos presidentes Bush e Lula já
se ouviram reiterados apelos para fazer a rodada avançar, contra
todas as indicações de que um
acordo fosse possível. Manifestações de vontade política não
têm o poder mágico de materializar concessões necessárias para
desentravar as arrastadas, complexas e disputadas negociações.
Com a assinatura de 22 países,
entre as maiores economias do
planeta, o novo apelo adquire um
valor de face incomum nos meses que transcorreram desde o
fracasso de julho, quando Doha
soçobrou. Nada há em vista, contudo, que sugira disposição dos
EUA ou da Índia de rever sua discordância sobre salvaguardas
para proteger agricultores indianos pobres em caso de disparada
nas importações, confronto que
pôs o acordo por água abaixo.
Pior: alguns países já ensaiam
movimentos na direção oposta
de Doha. É o caso do pacote de
incentivo à indústria automobilística norte-americana, que dificilmente escapará de medidas de
caráter restritivo. Talvez por
pressentirem o reflexo que se armava, líderes do G20 cuidaram
de incluir a promessa de não
adotar nos próximos 12 meses
novas barreiras ou restrições às
exportações alheias e medidas de
incentivo às próprias.
Só não é mais surpreendente
que um presidente dos EUA tenha concordado com tal item do
comunicado por ser ele George
W. Bush, que deixa sob desprestígio universal o comando do
país. Barack Obama, eleito mas
ainda não empossado, manteve
distância prudente da cúpula. Na
campanha, fez jus à tradição protecionista do Partido Democrata
e defendeu a revisão de acordos
de liberalização comercial como
o Nafta, tratado que criou uma
zona de livre comércio com o
México e o Canadá.
A retomada da rodada Doha
ainda em dezembro depende de
Pascal Lamy, diretor-geral da
OMC, conseguir apoio político
suficiente para convocar uma
reunião de nível ministerial dentro de no máximo um mês. Como
Obama só toma posse em janeiro, está no seu interesse evitar
que isso aconteça.
Em contrapeso a tamanho obstáculo opõe-se unicamente o
porte da crise. Resta por verificar
se ela é grave o bastante, como se
mostrou o 11 de Setembro ao impulsionar Doha em 2001, para
transmutar a retórica usual das
cúpulas em concessões reais sobre a mesa de negociação.
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