São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 2008

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De volta a Doha

Recomendação do G20 para reativar rodada de liberalização comercial terá pouco valor sem concessões de EUA e Índia

A REUNIÃO DO G20 acarretou algumas poucas surpresas -todas leves, pois não se cogita que uma cúpula assim extensa e convocada às pressas possa esgotar e muito menos resolver a grave crise internacional de crédito. Entre os raros imprevistos em Washington esteve a recomendação dos chefes de Estado e governo para que a rodada Doha de negociações sobre liberalização do comércio seja retomada em dezembro. É um bom sinal que tal determinação tenha sobrevivido no comunicado do G20.
O retrospecto das negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) recomenda dosar a esperança com generosa quantidade de cautela. Só dos presidentes Bush e Lula já se ouviram reiterados apelos para fazer a rodada avançar, contra todas as indicações de que um acordo fosse possível. Manifestações de vontade política não têm o poder mágico de materializar concessões necessárias para desentravar as arrastadas, complexas e disputadas negociações.
Com a assinatura de 22 países, entre as maiores economias do planeta, o novo apelo adquire um valor de face incomum nos meses que transcorreram desde o fracasso de julho, quando Doha soçobrou. Nada há em vista, contudo, que sugira disposição dos EUA ou da Índia de rever sua discordância sobre salvaguardas para proteger agricultores indianos pobres em caso de disparada nas importações, confronto que pôs o acordo por água abaixo.
Pior: alguns países já ensaiam movimentos na direção oposta de Doha. É o caso do pacote de incentivo à indústria automobilística norte-americana, que dificilmente escapará de medidas de caráter restritivo. Talvez por pressentirem o reflexo que se armava, líderes do G20 cuidaram de incluir a promessa de não adotar nos próximos 12 meses novas barreiras ou restrições às exportações alheias e medidas de incentivo às próprias.
Só não é mais surpreendente que um presidente dos EUA tenha concordado com tal item do comunicado por ser ele George W. Bush, que deixa sob desprestígio universal o comando do país. Barack Obama, eleito mas ainda não empossado, manteve distância prudente da cúpula. Na campanha, fez jus à tradição protecionista do Partido Democrata e defendeu a revisão de acordos de liberalização comercial como o Nafta, tratado que criou uma zona de livre comércio com o México e o Canadá.
A retomada da rodada Doha ainda em dezembro depende de Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, conseguir apoio político suficiente para convocar uma reunião de nível ministerial dentro de no máximo um mês. Como Obama só toma posse em janeiro, está no seu interesse evitar que isso aconteça.
Em contrapeso a tamanho obstáculo opõe-se unicamente o porte da crise. Resta por verificar se ela é grave o bastante, como se mostrou o 11 de Setembro ao impulsionar Doha em 2001, para transmutar a retórica usual das cúpulas em concessões reais sobre a mesa de negociação.


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