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CARLOS HEITOR CONY
A hipoteca social
RIO DE JANEIRO - No recente
encontro de Lula com Bento 16, no
Vaticano, o presidente brasileiro
sugeriu que o papa, em suas mensagens públicas, fizesse algum comentário referente à crise econômica e financeira que o mundo
atravessa. Ignoro o que Bento 16
respondeu. É possível que tenha
agradecido a sugestão, dado o caráter cordial e protocolar da visita.
Até certo ponto, o conselho não
deixa de ser ocioso. A Igreja Católica romana tem uma tradição formada há séculos, explicitada sobretudo nas encíclicas "Rerum novarum" (1891) e "Populorum progressio" (1967). Para ser claro: sua estrutura temporal sempre foi capitalista, em alguns momentos chegou
a ser imperialista, desde que, de
certa forma, substituiu o Império
Romano na esfera ocidental.
Mas, em seu conteúdo pastoral,
sua mensagem foi bem sintetizada
por João Paulo 2º, que, no início de
seu pontificado, em Puebla, disse
que "o capital tem uma hipoteca social". Está dito tudo neste simples
enunciado. O papa não condenou o
capitalismo em si, mas lembrou que
o capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha
e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera.
Não se trata de pregar a caridade,
o assistencialismo que muitas vezes
integra o programa dos governantes. A idéia da hipoteca social é um
preço proporcional que o capital
tem de pagar ao trabalho, como um
dos fatores do próprio capital, sendo mesmo o principal elemento da
concentração da riqueza em mãos
do Estado ou das empresas.
A crise que agora preocupa o
mundo é a manifestação do capital
mal-organizado e mal-operado. Erguido à categoria de arco e flecha do
desenvolvimento humano, é um
ídolo sem consistência desde que
não pague a hipoteca que deu início
a seu processo dentro da sociedade.
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