São Paulo, quarta-feira, 18 de novembro de 2009

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Editoriais

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Risco de retrocesso

Eleições e saída de diretor geram especulação sobre futuro do BC, que deveria reforçar a autonomia informal já adquirida

NÃO FORAM raras as vezes em que se criticou, com razão, o conservadorismo excessivo do Banco Central. O trauma da inflação elevada que contaminou a economia brasileira por mais de uma década não justifica o padrão de comportamento das autoridades monetárias do país, que muitas vezes impuseram custos desnecessários ao crescimento e à criação de empregos.
O exemplo mais recente de exagero doutrinário no BC aconteceu no segundo semestre de 2008. Mesmo após o colapso do banco de investimentos americano Lehman Brothers, em setembro, o Copom manteve a taxa Selic estacionada em 13,75% por três reuniões seguidas. Só iniciou o movimento de queda dos juros em janeiro, quando o país já entrava em forte retração.
A crítica, todavia, não se estende à conquista institucional inegável representada pela autonomia informal de que hoje goza o BC. A demissão anteontem à noite do diretor de política monetária, Mario Torós, somada à proximidade do processo eleitoral de 2010, estimula especulações sobre o comportamento do BC, quer no futuro imediato, quer durante o próximo governo.
Torós conduziu desastradamente sua anunciada saída do banco, de início prevista para dezembro. Ao tentar se apresentar, em entrevista ao jornal "Valor", como uma espécie de salvador da pátria nos momentos mais graves da crise, divulgou informações confidenciais e lançou suspeitas sobre a atuação de outras esferas do governo.
O episódio faz lembrar que a desejada autonomia do Banco Central não significa, apenas, erguer um anteparo de proteção contra o voluntarismo da liderança política de turno. A cautela deve valer, também, contra os interesses privados -seja de bancos, seja de outros setores empresariais- que tentam influenciar as decisões do BC.
A quarentena para diretores demissionários, hoje de quatro meses, deveria ser estendida. O objetivo seria desestimular o intercâmbio meramente oportunista entre a função pública de defender a moeda e posições privadas no mercado financeiro. Adotar salários competitivos para os diretores -a fim de que o BC atraia alguns dos melhores quadros do país- também seria uma medida a estudar.
Outro comportamento que deveria ser evitado é o presidente do BC -ou um de seus diretores- lançar-se nas especulações político-eleitorais, como ocorre agora com Henrique Meirelles.
Atribui-se a José Serra (PSDB) e a Dilma Rousseff (PT), neste momento dois dos principais postulantes ao Planalto, discordância semelhante a respeito de como o BC tem se comportado ao longo dos últimos anos. O risco, nos dois casos, é o de que um diagnóstico equivocado -o de que o conservadorismo excessivo decorre da autonomia concedida à instituição- leve a uma resposta equivocada, que submeteria as decisões técnicas do BC ao crivo político do Planalto.
Seria um retrocesso.


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