São Paulo, quarta-feira, 18 de novembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Agricultura e alimentação

GUILHERME CASSEL e BRUNO LE MAIRE


Uma nova política alimentar e agrícola mundial é possível. França e Brasil se comprometem a trabalhar para torná-la realidade

UM ANO após a crise alimentar de 2008, 1 em cada 6 pessoas sofre com a fome e com a desnutrição. Não devemos esquecer que o planeta deverá alimentar 9 bilhões de habitantes em 2050 e que as mudanças climáticas e os riscos econômicos pesarão ainda mais sobre a renda dos produtores, particularmente da agricultura familiar, e sobre o abastecimento de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Não devemos esquecer que a insegurança alimentar põe em perigo a independência dos países e fragiliza os nossos modos de vida.
A segurança alimentar é um bem público mundial, e a agricultura, em especial a familiar, é um setor econômico de interesse social.
Sabemos que as escolhas feitas no passado não poderão ser as respostas do futuro. Por isso, na Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, em Roma, defendemos que a comunidade internacional estabeleça uma verdadeira política pública mundial da alimentação e de agricultura.
O sucesso dessa política depende de novos investimentos financeiros para que a produção global de alimentos cresça 70% e abasteça o mundo inteiro em 2050. Para garantir esse investimento, diversos países, entre os quais o Brasil e a França, comprometeram-se a investir 22 bilhões de dólares em três anos.
Mas não bastam novos investimentos. Esse novo compromisso só será eficaz se for coerente e coordenado.
Essa é exatamente a ambição de uma Parceria Global para a Agricultura, a Segurança Alimentar e a Nutrição, idealizada em 2008 e que entra em uma nova etapa ao ser assumida por um fórum global das Nações Unidas.
Criada a partir do Comitê de Segurança Alimentar da FAO, a Assembleia Mundial da Segurança Alimentar reunirá representantes dos países, da ONU e de Bretton Woods, associações profissionais e de camponeses, empresas e ONGs. Sua missão será coordenar as diversas posições, formular e legitimar estratégias comuns para a segurança alimentar no âmbito da economia, das finanças, do comércio e do meio ambiente. Seu desafio será o cumprimento dos compromissos assumidos e a coerência das ações internacionais.
A voz dos países mais pobres e da sociedade civil se fortalece e o multilateralismo é consolidado.
Um passo importante foi dado na governança global, mas é apenas o início de um longo caminho. Propomos um plano de trabalho de dois anos a ser rapidamente discutido e aprovado pelo novo Comitê de Segurança Alimentar da FAO.
Um plano a ser compartilhado por todos os atores, que consolida ações para uma alimentação sustentável, suficiente e saudável, para impulsionar revisões das políticas de segurança alimentar, favorecendo a integração regional e nacional, e para melhorar a eficácia e a coordenação do apoio financeiro.
Um plano orientado para implementar os cinco princípios adotados na cúpula: liderança e responsabilidade nacionais; coordenação; atuação abrangente; reforço do multilateralismo; e compromissos financeiros firmes e estáveis.
De imediato, é preciso enfrentar três temas cruciais. Analisar as causas da volatilidade dos preços dos alimentos nos mercados mundiais e encontrar soluções, incluindo novos tipos de regulação para remediar e limitar seus efeitos, particularmente sobre a agricultura familiar.
Reconhecer a importância do desenvolvimento rural, das políticas integradas de apoio à produção e à segurança alimentar em países em desenvolvimento, da reforma agrária e do ordenamento territorial para fazer frente aos riscos da especulação e do investimento predatório.
Por fim, temos que dedicar um novo esforço coletivo à adaptação e à atenuação das mudanças climáticas, sobretudo no que diz respeito à pesquisa e ao intercâmbio, nos termos da posição comum do Brasil e da França.
Queremos que a segurança alimentar saia fortalecida das negociações comerciais e das reformas das instituições internacionais, da FAO, do sistema financeiro e dos fóruns de pesquisa. Para isso, no âmbito da Aliança para a Mudança lançada pelos presidentes Lula e Sarkozy por uma melhor governança mundial, o Brasil e a França vão reforçar a cooperação bilateral.
A segurança alimentar não é um direito já conquistado. A agricultura, e em particular a familiar, é uma escolha estratégica, e a democratização do acesso à terra é crucial. Uma nova política alimentar e agrícola mundial é possível. França e Brasil comprometem-se a trabalhar com a comunidade internacional para torná-la realidade.


GUILHERME CASSEL é o ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil.
BRUNO LE MAIRE é o ministro da Alimentação, Agricultura e Pesca da França.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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