|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
CLÓVIS ROSSI
Capitalismo ou crueldade?
LONDRES - A crise irlandesa, talvez mais que qualquer outra, é uma
contundente demonstração de que
há algo de profundamente errado
no capitalismo de predominância
financeira.
A Irlanda cresceu uma barbaridade de 1995 a 2007 (6% ao ano na
média). Cresceu em boa medida ao
amparo de um "boom" imobiliário.
Aí veio a crise de 2008 e seus bancos quebraram, todos. Haviam financiado descuidadamente construtoras e compradores.
Consequência, para resumir a
história: o governo estatizou os prejuízos da banca, mas manteve privados os lucros, o que é, de resto,
história recorrente na crise de 2008.
Contando todos os tipos de ajuda,
inclusive as europeias, formaram
uma colossal pilha de 286 bilhões
(R$ 672 bilhões), uns 170% do PIB
irlandês.
Cada cidadão doou aos bancos,
involuntariamente, 63 mil. Uma
barbaridade.
Claro que as contas públicas
-deficit e dívida- estouraram sem
contemplação. O deficit só das operações normais do governo já é brutal (12% do PIB). Contando a ajuda
à banca, vai a incríveis 32%.
Agora vem a cobrança. Os próprios mercados que financiaram a
farra elevam brutalmente o juro
que exigem para rolar os títulos da
dívida, ameaçam quebrar o país e,
por extensão, danificar seriamente
(ou fatalmente) o euro, a segunda
moeda de reserva do planeta.
Os engenheiros de obra feita ainda ficam dizendo que os irlandeses
é que são culpados, porque consumiram demais. É verdade, mas o capitalismo não é, essencialmente,
consumo? Toda a propaganda, no
mundo inteiro, pede, exige, insinua que bom sujeito não é quem
não consome. Para consumir, é preciso renda e crédito, mais crédito
que renda.
Os irlandeses foram, portanto,
capitalistas até o mais fundo d'alma. Agora, o capitalismo ameaça
devorar o bom aluno. Cruel.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Corrigir o exame
Próximo Texto: Cartagena - Eliane Cantanhêde: Os finalistas Índice | Comunicar Erros
|