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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Lei do Aborto deve ser revista?
NÃO
Focas sim, crianças não
AMAURY CASTANHO
Os que protegem os animais podem ficar tranqüilos. Hoje, em todo o Ocidente "cristão", as focas, os
leões-marinhos, as tartarugas e os micos dourados estão superprotegidos e
interessam mais a muitos homens e
mulheres do que as crianças. O que se
faz para salvar um panda na China impressiona. Peixes, aves e quadrúpedes
merecem, atualmente, o empenho de
muitos biólogos e gente inteligente na
Europa e entre nós.
Meses atrás li uma reportagem dedicada ao "amor humano" e ao "amor canino". Ao fim do texto, a conclusão: felizes são os cães, gatos e outros bichos. Infelizes são as crianças, em especial as
que estão para nascer. Certa senhora da
alta classe tinha dois filhos e 11 cães
(sim, senhor!). Os cuidados de cada um
deles custavam, por mês, pouco menos
que a criação de cada filho!
Essas reflexões me vieram à mente
nestes dias, quando a Folha destacava
notícias como esta: "Governo Lula põe
Lei do Aborto em discussão". Na mesma página, ao lado, literalmente: "Não
me arrependo nem um pouco disso"
-declaração de Maria, nome fictício,
de 28 anos. Alegando "não ter estrutura
financeira e psicológica para colocar um
filho no mundo", declarou que, se estivesse grávida, "faria um aborto de qualquer maneira". Mesmo sabendo que o
aborto, em qualquer caso, ainda é tido
como crime entre nós, segundo a Constituição e o Código Penal -despenalizado, mas crime, nos casos de gravidez
resultante de estupro e quando a gestante vier a correr risco de morte.
As estatísticas espantam, informando
que anualmente são praticados no Brasil pelo menos 1,5 milhão de abortos voluntários, intencionais e provocados.
Deixa-me estarrecido ler que "a fome
mata uma criança a cada cinco segundos" no mundo, conforme relatório da
FAO (Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação). Ousaria dizer que os investimentos feitos em
países abortistas como Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, EUA, Brasil etc.
são maiores que o aplicado no Fome Zero! Dá vontade de chorar e emociona
ver fotografias de recém-nascidos e
crianças magérrimas, nos braços de
suas desnutridas mães da África Central. Saber que há mães desnaturadas jogando seus filhos, apenas nascidos, em
latões de lixo e aterros sanitários.
Agora, a última do governo Lula. Com
certeza devidamente autorizado, com o
respaldo do Ministério da Saúde, foi
constituído um "grupo de trabalho" em
nível federal, com o fim de rever a questão do aborto, com a previsível finalidade de ampliar os casos em que a lei os
permitiria. A ocasião próxima para o
início dos trabalhos da ilustre comissão
foi o caso dos anencéfalos.
Para inglês ver, a secretária especial de
Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, afirmou caber ao governo "propiciar
uma discussão na sociedade sobre o tema". Até que o debate sempre é oportuno. Em 1940, em pleno Estado Novo, foram despenalizados os abortos nos dois
casos lembrados acima. Ao que consta,
a sociedade foi colhida de surpresa. Não
houve debate e a pena de morte contra
os indefesos nascituros veio de cima,
sem consulta às bases, sem nenhum plebiscito ou referendo.
A "liberal" ministra Nilcéa e a coordenadora da área técnica da Saúde da Mulher, também do esperançoso governo
Lula, ambas feministas, já adiantaram
que são favoráveis à ampliação dos casos de permissão do aborto. Referem-se
aos anencéfalos, fetos parcial ou totalmente sem cérebro, mas vivos. Mais
adiante, porém, algum ministro do STF
ou da Saúde, ou seja lá do que for, defenderá o direito absoluto da mulher ao
próprio corpo (e dos bebês em seu ventre) nos casos de síndrome de Down e
outras anomalias fetais, lamentavelmente mais freqüentes do que se pensa.
É oportuno deixar claro que a Igreja
Católica, seus pastores e fiéis conscientes somos decididamente contrários ao
aborto em qualquer caso. E não venham
dizer que defendemos a vida dos nascituros somente por razões religiosas,
lembrados do "não matarás". É o direito natural que fundamenta o respeito à
vida de toda e qualquer pessoa inocente,
como o primeiro e mais fundamental
dos direitos humanos. Que outro direito poderá ser afirmado e respeitado sem
o direito de nascer? É uma questão de
valores e de direito natural que se sobrepõem a qualquer direito positivo. A vida
é um valor sagrado! A morte, a esterilização do homem ou da mulher, o aborto em qualquer caso, o suicídio, o assassinato e outros costumes de nosso Ocidente "ex-cristão" são "extermínio"; assassinatos cruéis e covardes, como reafirmou a presidência da nossa CNBB.
Para que a discussão na sociedade se,
de antemão e publicamente, a ilustre
ministra Nilcéa já se disse favorável a
novos casos de despenalização do aborto voluntário? Somos um povo sábio e
esclarecido ou "neobobos" e imbecis?
Dom Amaury Castanho, 77, jornalista, licenciado em filosofia e teologia pela Pontifícia Universidade Católica Gregoriana de Roma, é bispo
emérito de Jundiaí (SP).
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