São Paulo, terça-feira, 18 de dezembro de 2007

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MARCOS NOBRE

Bali e a usina de Gaddafi

CARNAVAL em Paris. Pelo menos para o coronel Muammar Gaddafi. O "guia da revolução líbia" fez da capital francesa seu parque de diversões por quase uma semana.
Gaddafi montou uma tenda beduína ao lado do palácio presidencial. As principais pontes de Paris eram interditadas à medida que avançava seu passeio de barco pelo Sena. Tumultuou o museu do Louvre para ver a "Monalisa" e a "Vênus de Milo". O mesmo no Palácio de Versalhes, onde se deteve para contemplar o trono de Luís 14, de quem é admirador. Caçou na floresta de Rambouillet e pontificou sobre o céu e a terra em diversas oportunidades.
Nada mais justo. O presidente Nicolas Sarkozy se achou muito esperto em fazer o primeiro movimento para "reabilitar" o "guia" perante a "comunidade internacional", de olho nas reservas de petróleo e na venda de armas e usinas nucleares. Gaddafi respondeu com a maior balbúrdia diplomática e política que a França experimentou nos últimos anos.
A idéia era aproveitar a coincidência da visita com a Conferência das Partes sobre o Clima, em Bali. Dada a importância dessa negociação global, e como a posição francesa é a mesma da União Européia a esse respeito (metas rígidas de redução de emissões), a imprensa deveria tratar a visita de Gaddafi como evento menor.
Aconteceu o contrário. Mas algo ainda mais importante ficou de fato na sombra: a nova ofensiva mundial (França à frente, Brasil logo atrás) em favor da energia nuclear.
A França é o maior produtor de energia nuclear da Europa. Setenta e oito por cento da energia elétrica do país vem dessa fonte.
O principal objetivo do presidente francês em matéria de política externa é construir o que ele chama de "União Mediterrânea". É uma idéia delirante, que, no fundo, serve apenas para vender armas e usinas nucleares para Marrocos, Argélia, Líbia e quem mais se interessar. E para criar um contencioso com a União Européia, especialmente com a Alemanha.
A energia nuclear é vendida agora como alternativa à crise dos combustíveis fósseis e do efeito estufa. Em resposta ao declínio das jazidas, diz-se que os novos reatores de nêutrons rápidos serão capazes de utilizar 100% do urânio natural (ao contrário dos 0,6% do isótopo U235, tecnologia usada atualmente). Mas, para que se tornem comercial e politicamente viáveis, é preciso espalhar usinas por todo o planeta.
O primeiro-ministro François Fillon deixou claro que "a França não vende sua alma". Já usinas nucleares, sem problema. Só que é uma péssima idéia fazer esse tipo de negócio. Ainda mais quando o cliente é Gaddafi.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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