São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O muro

JORGE RICCA JR.


Pensando na história da USP, só nos resta pedir às autoridades que derrubem aquele muro que separa a universidade da marginal

O MURO que separa o campus da Universidade de São Paulo das pistas da marginal do rio Pinheiros, no Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo, é um espanto.
Construído em concreto aparente, o muro mede cerca de 2,3 quilômetros de comprimento por 3 metros de altura e obstrui a visão da vegetação do campus, um belo lugar desta pobre cidade carente de espaços públicos dignos, embora rica de espaços privados exclusivos.
A pergunta a ser feita ao reitor da USP e seu Conselho Universitário e ao governador do Estado de São Paulo é: quais são as razões que sustentam aquele muro, hoje que vivemos no regime democrático e estamos carentes de ar, de horizonte, de natureza dentro da cidade?
Se aquele muro não mais existisse, milhares de cidadãos que transitam diariamente pelas pistas da marginal Pinheiros e pelos trilhos de trens na outra margem teriam de repente uma belíssima perspectiva da paisagem. A visão seria ampliada enormemente.
As margens do rio Pinheiros estão ficando bonitas, plantadas de variadas espécies de árvores. É surpreendente constatar essa beleza e verificar ali a construção de um imenso parque linear e uma inevitável ciclovia.
Passando por ali de carro, pois ainda não há outra maneira de passar por ali, chegando da Castelo Branco, vemos esse parque em construção na beira do rio, à esquerda. E, à direita, o espantoso muro cinza, proibindo a visão de se estender horizontalmente e alcançar a variada vegetação colorida plantada no campus há décadas pelos seus fundadores, num gesto de generosa confiança na beleza urbana.
Em São Paulo, precisamos do horizonte, tão necessário para a saúde, tão humanizador da vida mecanizada que levamos hoje.
Aqui parece que estamos obrigados a estreitar a visão por corredores estreitos de ruas e avenidas emparedadas de ambos os lados, o contrário do que acontece em cidades como Salvador (BA) ou Rio de Janeiro (RJ), nas quais a visão pode se espalhar pelo mar e alcançar o horizonte.
Se esse muro fosse um símbolo, e pode ser que seja, representaria algo muito ruim para a nossa urbanidade e civilidade.
Ele seria um símbolo do descaso com o cidadão que sustenta a USP com seus impostos. Ou um símbolo persistente da ditadura militar, que pretendeu afastar e isolar os estudantes do convívio com a cidade. Ou talvez, ainda, um símbolo da insensibilidade de governantes e governados com a beleza urbana pública.
Da forma como está, o muro é um vestígio da idéia de separação da universidade da cidade, quando é precisamente a idéia de integração que deve prevalecer no regime democrático.
A universidade é um lugar saudável, e aquele muro talvez seja mais adequado a uma penitenciária ou a qualquer outro espaço em que a separação e o isolamento devam ser ostensivos.
A ditadura militar caiu, mas o muro persiste ali como vestígio ruim do passado que o ergueu um dia para separar a universidade da cidade.
É um enigma sua presença ali, precisamente na USP, fundada como espaço de liberdade, conhecimento e educação, habitada por sábios, mestres e professores.
Pensando na história da USP, no seu engajamento a favor das causas democráticas e civilizatórias, só nos resta pedir às autoridades que derrubem o muro para deixar o ar e a visão transitarem livremente e restituir um pouco de beleza à cidade, que é de todos. É preciso ventilar a cidade, ampliar seus horizontes e restituir aos cidadãos um lugar com tanto potencial de beleza.


JORGE RICCA JR., 47, é arquiteto e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, trabalha na Prefeitura do Município de São Paulo e leciona na Fundação Armando Álvares Penteado.


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