São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010

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RUY CASTRO

Patrimônio interditado

RIO DE JANEIRO - Por ocasião dos cem anos de Noel Rosa, sábado último, os jornais foram ouvir seus herdeiros. Noel não teve filhos, mas deixou um irmão, que os teve, donde aí estão as sobrinhas do sambista para falar pela família. E o que elas têm a dizer é, como quase sempre nesses casos, lamentável.
"Eles só pegaram a banda podre", queixou-se uma delas a "O Estado de S. Paulo", referindo-se a João Máximo e Carlos Didier, autores do monumental "Noel Rosa -Uma Biografia". O livro foi publicado em 1990, está há muito esgotado e é vítima de uma ação, movida por elas, que o impede de ser reeditado. Por "banda podre", as sobrinhas se referem aos suicídios do pai e da avó de Noel, levantados com grande precisão por Máximo e Didier e descritos com o cuidado que imprimiram a todo o livro.
"Eles entraram pela nossa vida, narraram episódios de suicídios e se deliciaram com isso", continua a sobrinha. Não é verdade. Conheço João Máximo há 40 anos e Didier há 20. O livro levou quase dez anos para ser feito. Ninguém trabalha tanto tempo (e de graça, sem patrocínio) num projeto se não for por amor. Lembro-me da vibração de João quando descobria um samba perdido de Noel ou localizava uma fonte nunca ouvida até então. Se o pai e a avó do biografado se mataram, lamento, mas isso faz parte da história -e da História.
"Noel Rosa -Uma Biografia", ao sair, esmagou editorialmente os dois livros anteriores sobre Noel: o de Jacy Pacheco, "Noel Rosa e Sua Época", de 1955, e o de Almirante, "No Tempo de Noel Rosa", de 1963. O qual também menciona, embora de passagem, os suicídios que tanto irritaram as sobrinhas, e olhe que Almirante "protegeu" Noel o quanto pôde. Mas não compete ao biógrafo proteger o biografado. Compete-lhe escrever a verdade.
Este livro é um patrimônio da cultura brasileira. Não pode ficar fora das livrarias.


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