São Paulo, sexta, 18 de dezembro de 1998

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Educação, políticas e fatos


As políticas de governo privilegiaram ações de caráter estrutural, para atingir as raízes das nossas deficiências


PAULO RENATO SOUZA

Os primeiros quatro anos do governo Fernando Henrique na área educacional caracterizaram-se pela profundidade das reformas aprovadas e implantadas e pelas políticas de melhoria da qualidade da educação em nosso país.
O marco institucional do ensino foi profundamente alterado por emendas e leis, principalmente a de Diretrizes e Bases. As políticas de governo privilegiaram ações de caráter estrutural, para atingir as raízes das nossas deficiências.
A opção por ações de longa maturação foi consciente; buscamos resultados sólidos, que aparecerão em plenitude no futuro. Apesar disso, indicadores relevantes mostram que os primeiros frutos começam a aparecer, antecipando uma tendência positiva. Ao encerrar-se o primeiro mandato, é oportuno um balanço de políticas e fatos.
1. Reformas e políticas
1.1) Ensino fundamental
a) Recursos. A aprovação da emenda constitucional 14 criou o Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério). A partir de 1998, R$ 15 bilhões de Estados, municípios e da União passaram a ser distribuídos de acordo com o número de alunos do ensino fundamental. Desses recursos, 60% vão para salários e formação de professores.
b) Parâmetros curriculares. Pela primeira vez, fixaram-se parâmetros para educação fundamental, infantil e indígena, referência de qualidade para professores e autores de livros didáticos.
c) Livros didáticos. A compra foi associada a uma avaliação prévia da qualidade e ampliada de quatro para oito séries do ensino fundamental. Nos três últimos anos, os livros chegaram às escolas antes do início do ano letivo, o que nunca havia acontecido.
d) TV Escola. Criou-se canal exclusivo, via satélite, para capacitação de professores e apoio a seu trabalho; 50 mil escolas estão equipadas e recebendo, há três anos, três horas de programação diária de alta qualidade. O programa foi avaliado positivamente pela Unicamp por dois anos consecutivos.
e) "Dinheiro Direto na Escola". Em quatro anos, o governo repassou R$ 1,07 bilhão diretamente às escolas públicas e estimulou a formação de quase 50 mil novas associações de pais e mestres, que administram o dinheiro.
f) Programa de aceleração de aprendizagem. O governo financia a implantação de classes especiais para alunos com alta defasagem idade-série. O número de alunos que estudaram nessas salas em 1998 foi de 1,2 milhão.
g) Informatização das escolas públicas. Teve início com o treinamento de 8.000 professores-multiplicadores em 118 núcleos de tecnologia. O primeiro lote de 30 mil computadores, para equipar 2.600 escolas, já foi adquirido.
h) Municipalização da merenda escolar. Hoje, os recursos da merenda são enviados diretamente para mais de 4.500 municípios. O programa também foi bem avaliado pela Unicamp.
i) "Toda Criança na Escola". Como corolário e visando a implantação do Fundef, essa campanha foi realizada em 1998, para estimular a matrícula.
1.2) Ensino médio e tecnológico
a) Reforma completa do ensino médio. Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, garante maior flexibilidade e se adapta às necessidades dos jovens e do país. Entra em vigor em 1999.
b) Exame Nacional do Ensino Médio. Aplicado pela primeira vez em 1998, é um instrumento de credenciamento individual e opcional para os alunos. O exame poderá ser usado, por exemplo, para o acesso ao ensino superior.
c) Reforma do ensino técnico. Estabelecida por decreto, a partir das diretrizes da LDB. Separa o ensino técnico do médio, democratizando o acesso. Com estrutura modularizada, permite a educação recorrente e complementar no ensino profissionalizante.
d) Expansão do ensino técnico. Financiado por MEC e Ministério do Trabalho, com o apoio do BID, o programa destina US$ 500 milhões para reequipar escolas técnicas públicas e criar uma rede de escolas técnicas comunitárias, em parceria com municípios, entidades sindicais e associações.
1.3) Ensino superior
a) Credenciamento das instituições. A lei que criou o CNE estabeleceu as bases para um novo sistema de credenciamento, baseado na flexibilidade e na avaliação. Foi introduzido o recredenciamento periódico das instituições e cursos, a partir dessa avaliação.
b) Diversificação do sistema. A partir da LDB, foram regulamentadas, por decreto, novas formas de organização acadêmica e societária.
c) Novos currículos. Estão em fase final, para aprovação no CNE, diretrizes curriculares de graduação, substituindo os currículos mínimos em vigor.
d) Federais. Apesar de não termos aprovado a emenda constitucional da autonomia universitária, algumas medidas importantes foram adotadas:
d1) Definiram-se novas normas para escolher dirigentes universitários e compor os órgãos colegiados, aumentando o peso relativo dos professores, especialmente os mais qualificados.
d2) Prioridade à graduação. Mais de R$ 100 milhões foram investidos em bibliotecas, computadores e infra-estrutura de informatização. Está em fase final de julgamento a licitação internacional para adquirir US$ 300 milhões em equipamentos para laboratórios de graduação e hospitais universitários.
d3) Gratificação de estímulo à docência. Os professores agora podem ter até 50% de melhoria em sua remuneração, conforme o número de horas-aula e a avaliação de sua produção científica e de seu desempenho na docência.
d4) Contratação de professores. Foram autorizados mais de 8.900 concursos para provimento de cargos. A qualificação média do corpo docente aumentou; a proporção de doutores passou de 22% para 29% entre 94 e 97.
2) Informação e avaliação
a) Transformação do Inep (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) em autarquia independente, que passou a responder por todo o sistema de avaliação e de informações educacionais.
b) Unificação das fontes de informação sobre o ensino. Realização anual do Censo Escolar, do Censo do Professor e do Censo do Ensino Superior, com resultados divulgados no ano da coleta.
c) Ampliação da cobertura e aperfeiçoamento metodológico do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico). Testes feitos em 95 e 97 definiram escalas nacionais de proficiência nas disciplinas, possibilitando a comparação de desempenho no tempo e entre regiões, Estados e sistemas de ensino.
d) Realização, por três anos consecutivos, do Exame Nacional de Cursos (o provão) para graduandos do ensino superior; neste ano, fez-se a primeira avaliação das condições de oferta dos cursos abrangidos no exame de 97.
e) Inserção do Brasil em sistemas internacionais de informações e avaliação, permitindo o diagnóstico dos nossos avanços em relação a outros países.
3) Resultados quantitativos
a) Expansão de 12% das matrículas no ensino fundamental de 94 a 98. No segmento da 5ª à 8ª série, ela foi da ordem de 21%, reflexo da melhoria do fluxo escolar. A taxa de escolarização líquida da população de 7 a 14 anos passou de 91% para 96% nesse período.
b) Expansão de 41% das matrículas no ensino médio no mesmo período. A taxa, recorde, reflete a melhoria nos índices de aprovação do ensino fundamental e o interesse dos jovens pela ampliação de sua base educacional.
c) Expansão de 25% das matrículas nos cursos de graduação (elas estavam praticamente estagnadas, no ensino superior, há 15 anos).
d) Expansão da matrícula nos cursos de pós-graduação (16% no mestrado e 28% no doutorado, de 94 a 98). Graduamos hoje 4.000 doutores por ano.
E o que dizer da qualidade? A experiência internacional mostra que, em se tratando de sistemas educacionais de massa, com milhões de alunos, os indicadores de desempenho são estáveis em períodos curtos. Não se poderia esperar um salto espetacular de desempenho no Brasil em apenas três anos de políticas consistentes. Além disso, muitas medidas foram implementadas recentemente, como é o caso do Fundef.
Entretanto, quando há indicadores de qualidade, percebe-se uma evolução positiva. No caso do provão, ela é clara, especialmente no caso das faculdades privadas, nas quais se concentravam os baixos índices. Há uma tendência à diminuição da dispersão da qualidade, o que era um dos propósitos da avaliação. Por outro lado, claramente, as faculdades em geral melhoraram a qualificação do corpo docente em três anos.
No caso do Saeb, o teste de 1995 revelou uma realidade muito negativa em todo o país, em especial no Nordeste. Segundo padrões internacionais, o desempenho dos alunos deveria ter caído entre 95 e 97, em face da expressiva expansão da cobertura do sistema no ensino fundamental e especialmente no médio. Isso, de fato, ocorreu em alguns Estados. As médias nacionais, porém, ficaram estáveis, em português e matemática, nas três séries analisadas.
É um resultado extremamente positivo, que reflete o desempenho muito bom de alguns Estados. Destaca-se o Nordeste como um todo, o que certamente se deve ao empenho de vários governos estaduais. Mas os números também estão associados a medidas básicas adotadas no âmbito federal, as quais tiveram impacto sobre uma realidade de extrema carência.
O Projeto Nordeste investiu na região, em quatro anos, mais de US$ 700 milhões em construções, reformas, capacitação de professores e técnicos. O programa de livros didáticos colocou-os nas salas de aula do interior. O "Dinheiro Direto na Escola" ofereceu às diretoras recursos para a solução de alguns problemas básicos. A TV Escola treinou professores e melhorou seu desempenho. A merenda chegou a todas as escolas. Um olhar isento e analítico irá encontrar a explicação para o bom desempenho dessa região.
Tudo foi feito com participação consciente da comunidade, informada por campanhas que prestaram um serviço público ao divulgar ações de governo. Posso afirmar, sem falsa modéstia e com orgulho, que vivemos uma verdadeira revolução na educação. O processo é inexorável e construído solidamente, porque institucionalizado. A realidade que já se delineia mostra o acerto das políticas e ações adotadas.


Paulo Renato Souza, 52, economista, é ministro da Educação e do Desporto. Foi reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) de 1986 a 90 e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).



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