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Mudança no Chile
Vitória do conservador Piñera, após 20 anos de centro-esquerda, é novo indicador de maturidade da democracia chilena
I
estertores de uma ditadura
longa e ultrarrepressiva, a
democracia chilena dá reiteradas mostras de maturidade.
Um feixe delas está contido na
vitória do empresário Sebastián
Piñera anteontem, no segundo
turno da eleição presidencial.
Democracias maduras apresentam um modo típico de alternância no poder -coalizões partidárias trocam de lado, de tempos em tempos, sem colocar em
questão os rumos de políticas
fundamentais, como a gestão da
economia, das contas públicas e
dos programas de bem-estar
consolidados. É nessa acepção de
mudança, morna mas assentada
na solidez da sociedade, que se
insere a ascensão de Piñera.
O candidato conservador acabou com duas décadas de hegemonia da Concertação, coalizão
liderada pelos partidos Socialista
e Democrata Cristão. O bloco de
centro-esquerda, formado para
defender o vitorioso voto contrário à continuidade do regime de
Pinochet no plebiscito de 1988,
vinha se beneficiando seja da
condução eficiente da economia
e das políticas de Estado, seja da
falta, aos olhos do eleitor, de um
rival comprometido com a modernização democrática do país.
Pela pequena margem de 220
mil votos, em 7 milhões -triunfos eleitorais apertados são outra
marca de democracias maduras-, a maioria dos eleitores chilenos chancelou as credenciais
da coalizão conservadora para
ocupar o Palácio de La Moneda.
O desgaste da Concertação decerto favoreceu a vitória de Sebastián Piñera, mas o peso desse
fator não pode ser superestimado, ante os 80% de aprovação
com que a presidente Michelle
Bachelet termina seu governo.
A falta de carisma do ex-presidente Eduardo Frei -postulante
da Concertação no domingo- e,
sobretudo, o "aggiornamento"
da agenda conservadora empreendido por Piñera, foram
preponderantes no desfecho. O
empresário, um dos mais ricos
do Chile, esvaziou as críticas
doutrinárias que partiam de seu
campo político contra a correção
dos exageros privatistas do período Pinochet realizada pela
Concertação em temas como
Previdência, saúde e educação.
Nessa "repaginação", o líder da
Renovação Nacional rompeu tabus da direita chilena, associada
às correntes católicas mais conservadoras, ao dizer-se simpático à união civil entre homossexuais e à distribuição gratuita da
chamada pílula do dia seguinte.
Impediu, ademais, que qualquer
vestígio de nostalgia pela ditadura militar aparecesse na campanha -Piñera, ao contrário de ex-pinochetistas de sua aliança, votou contra o ditador em 1988.
Uma mudança quase apenas
"de rosto" era o que propunha a
campanha de Piñera. É possível
que diferenças, em relação ao
programa da Concertação, comecem a surgir ao longo do mandato de quatro anos. Dificilmente, entretanto, atingirão os pilares da estabilidade chilena.
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