São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Enchentes em São Paulo são inaceitáveis

JOSÉ AMÉRICO e ADILSON AMADEU


Em vez de ajudar a reduzir as enchentes, como a obra bilionária anunciava, o rio Tietê se tornou o principal fator para sua realimentação


As enchentes que tornam penosa a vida dos paulistanos em todo começo de ano são, em grande parte, produto do imobilismo de nossos governantes. Os diagnósticos oficiais se caracterizam pela superficialidade; os cronogramas não são cumpridos e os recursos financeiros, escassos, são mal aplicados.
Essas são as principais conclusões da CPI das Enchentes, encerrada há um mês na Câmara Municipal de São Paulo (relatório em www.camara.sp.gov.br). Para a maioria de seus integrantes, mais do que à natureza ou mesmo à ocupação errática do espaço urbano, a maior responsabilidade pelos efeitos das chuvas cabe à Prefeitura de São Paulo e ao governo do Estado.
Sempre choveu forte em São Paulo. É bom lembrar que, de acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o janeiro mais chuvoso de nossa história foi o de 1947 -há 64 anos!-, e não qualquer um mais recente.
Em vez de pautar suas decisões pelo bom senso, o ex-governador José Serra e o atual prefeito Gilberto Kassab têm preferido trilhar o caminho oposto e reduzir as verbas para as enchentes.
Nos últimos dois anos, Serra cortou o quanto pôde -em 2009, gastou menos que a metade dos R$ 188 milhões previstos para o Alto Tietê e, em 2010, reduziu o orçamento do Estado em R$ 51 milhões.
Kassab seguiu os passos de seu aliado e cortou sem dó (leia reportagem da Folha sobre o tema, em 12/1, "Com caixa cheio, Kassab não usa verba reservada"). A partir de 2006, ele investiu só 70% do valor orçado na média anual. De total de R$ 1,604 bilhão previsto para cinco anos, a prefeitura deixou de aplicar nada menos que R$ 423 milhões!
Mas isso não é tudo. A CPI das Enchentes identificou, para além da redução de recursos, a má aplicação do que tem sido gasto.
A começar pela ineficiência nos serviços de manutenção da estrutura subterrânea de captação e escoamento de água, que é composta por quase 400 mil bocas de lobo e 3.000 km de galerias pluviais.
Estas últimas estão com parte de sua capacidade comprometida devido à falta de limpeza e de reparos (menos de 30% da rede tem manutenção anual). Além disso, a prefeitura quase não fiscaliza as empresas contratadas para a limpeza das bocas de lobo; no mais das vezes, são elas que controlam o seu próprio trabalho.
O governo do Estado é tão ou mais responsável pelas enchentes que a prefeitura. Afinal, é dele a culpa pelo atraso na execução do Plano de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, aprovado em 1998. De um total de 134 previstos, apenas 45 piscinões foram construídos: só na capital, a necessidade atual seria de 17 novos reservatórios.
Mas o erro crasso do governo é com o rio Tietê, receptor natural de dezenas de afluentes, de galerias pluviais e até do esgoto não tratado de 3,5 milhões de habitantes de bairros paulistanos e de municípios vizinhos. Segundo o professor aposentado da USP Júlio Cerqueira César Neto, são despejados todos os anos no leito do rio cerca de 3 milhões de m2de terra e dejetos, mas apenas 1 milhão de m2 foram retirados em 2010.
O assoreamento causado por essa defasagem na limpeza já comprometeu 50% da vazão do rio desde que o aprofundamento de sua calha foi concluído, em 2006, a um custo de R$ 1,7 bilhão. Em vez de ajudar a reduzir as enchentes, como a obra bilionária anunciava, o Tietê se tornou o principal fator para a sua realimentação.
Quando chove forte, é inevitável o refluxo da água em excesso, o que causa o alagamento de ruas, casas e áreas de risco. É assim que o rio parece se vingar das autoridades que teimam em desrespeitá-lo.

JOSÉ AMÉRICO, jornalista, é vereador de São Paulo pelo PT. Integrou a CPI das Enchentes.
ADILSON AMADEU, empresário, é vereador de São Paulo pelo PTB e foi o presidente da CPI das Enchentes na Câmara Municipal de São Paulo.

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