São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001

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BORIS FAUSTO

O declínio dos caciques

Os caciques estão em franco declínio na cena política brasileira. Estou chamando de caciques figuras que se caracterizam pelo personalismo, com fortes traços autoritários, exigindo fidelidade incondicional de seus adeptos. No interior dos partidos, tratam de convertê-los em máquinas a seu serviço, seja pela dominação, seja pelo exercício do "direito" de veto diante de outras correntes.
Deixando de lado personagens menores, há um trio que representa esse estilo, formado por Arraes, Brizola e Antonio Carlos Magalhães. É evidente que existem muitas diferenças entre eles, convindo lembrar que os dois primeiros são encarnações do nacional-populismo e o último uma encarnação de si mesmo. Entretanto todos têm em comum o modo de fazer política, o que não constitui um traço secundário ou apenas geracional, mas sim um dos aspectos relevantes de nossa cultura política.
A figura de Arraes brilhou há muitos anos, antes do regime militar, quando foi um líder regional do nacionalismo de esquerda. Na volta do exílio, chegou a eleger-se governador de Pernambuco, mas acabou se perdendo, ao realizar uma administração deficiente, marcada também pelo caso dos precatórios. Hoje Arraes é uma figura secundária no cenário político, embora segure ainda as rédeas do PSB.
A carreira de Brizola teve um espectro sabidamente maior. Ele alcançou altos índices de popularidade no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Não fosse o grau de sua rejeição em São Paulo, disputaria a Presidência com Collor, tendo possibilidades reais de vitória. Mas, a partir daí, entrou em um declínio melancólico, seja pela falta de sintonia com a realidade do Brasil e do mundo, seja pela atitude obstinada de impedir o crescimento de líderes à sua volta, como demonstram, entre vários outros, os casos de Cesar Maia e de Garotinho.
De forma até certo ponto surpreendente, ACM veio completar o declínio do trio. Personagem do regime militar, o senador soube fazer a transição para os novos tempos e se tornou uma figura central da política brasileira, ainda que seu poder e sua capacidade de fazer política tenham sido mitificados pela mídia. Mas, na medida em que sempre fez política destituída de qualquer conteúdo programático, acabou sendo vítima dos azares do personalismo.
Tudo indica que ACM terá uma sobrevida, seja porque ainda representa uma facção no interior do PFL, seja porque tem todas as condições para eleger-se governador da Bahia, onde seu prestígio popular permanece inalterado, apesar de algumas estranhas defecções partidárias. Mas isso é pouco para quem aspirou a muito mais e promoveu a falsa imagem de sombra todo-poderosa da Presidência.
O declínio dos caciques é, em si mesmo, um fato positivo. Entretanto, infelizmente, esse fato não nos leva ao otimismo, à constatação da gradativa predominância de outro comportamento político, em que o desejo positivo de prestígio e de liderança se combine com a preocupação com os interesses coletivos. Pelo contrário, a recente guerra suja parlamentar não dá margem a muitas esperanças.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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