São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001

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As polêmicas da previdência complementar

OCTAVIO BUENO MAGANO


A filiação a uma entidade de previdência complementar não cria vínculos contratuais de condições imutáveis

Por força do disposto no decreto nº 3.721, de 8 de janeiro de 2001, o limite de 55 anos, exigível para ingresso em regime de previdência complementar, deve aumentar de seis meses em cada ano, sempre no mês de julho, o que significa que, em julho de 2010, prevalecerá a idade mínima de 60 anos.
A apontada alteração regulamentar visou lograr uma mais acentuada compatibilização do sistema normativo com as transformações demográficas do país, representadas pelo envelhecimento gradual de sua população.
Nada obstante, a validade do decreto tem sido questionada em alguns setores da opinião pública, merecendo realce a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) recentemente ajuizada perante o STF (Supremo Tribunal Federal), pelo PSB (Adin nº 2.387), e fundada no argumento de que o decreto estaria em colisão com o art. 202, parágrafo 4º, da Lei Magna, onde se dispõe que a matéria só pode ser disciplinada por lei complementar.
Se tal argumentação pudesse ser aceita, ficaria derriçado todo o sistema de previdência complementar, arrimado na lei nº 6.435/77. A exigibilidade de lei complementar, prevista no art. 202, da Constituição, só se concebe se o sistema atualmente em vigor houvesse de ser modificado em suas linhas mestras, o que não se justifica.
Admitida, em consequência, a validade da lei nº 6.435/77, há de se atribuir o mesmo efeito ao decreto nº 3.721/2001, dado que dela não destoa. E tal conclusão tanto mais se reforça quanto é certo que a exigência de limite de idade já constava do decreto nº 81.240, de 20 de janeiro de 1978, que nunca deixou de prevalecer.
Há, portanto, presunção de compatibilidade entre os dois sucessivos decretos fixadores de limite de idade e a lei disciplinadora do sistema de previdência complementar.
É, aliás, da índole das leis estabelecer os elementos básicos da matéria a ser disciplinada, deixando para os decretos a missão de regular itens específicos, desde que não incompatíveis com as disposições genéricas nelas contidas.
Outra questão a ser considerada diz respeito à natureza da vinculação entre entidade de previdência complementar e seus participantes, já que existem divergências sobre o assunto. Em editorial, "O Estado de S.Paulo" fez alusão à figura do contrato de adesão.
Mais acertado parece, porém, o entendimento de que se trata de regime de interesse público, análogo ao do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), cuja finalidade precípua, desde sua instalação, em 1966, consiste na superação da crise habitacional, sob a gestão do Banco Nacional de Habitação.
De modo análogo, há de se reconhecer que a finalidade precípua da lei nº 6.435/1977 foi a de satisfazer um interesse público, de não menor relevância: o aprimoramento do sistema de seguridade social, sob a gestão da Secretaria de Previdência Complementar.
O fato de o ingresso no regime de previdência complementar depender de opção do trabalhador não infirma a apontada analogia, porque essa era também condição constante da lei nº 5.107/1996, instituidora do fundo.
À luz de tais considerações, exclui-se a idéia de que a filiação do trabalhador à entidade de previdência complementar pudesse significar vínculo de natureza contratual, com condições imutáveis.


Octavio Bueno Magano, 72, advogado e jurista, é professor titular de direito trabalhista da Faculdade de Direito da USP.


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