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OTAVIO FRIAS FILHO
No país dos aiatolás
As eleições que acontecem amanhã no Irã podem parecer um fato remoto e impalpável -ainda mais
nestes dias em que tantos brasileiros
descobriram que o governo Lula, até
do ponto de vista da moralidade administrativa, não é diferente dos demais. Mas o que está acontecendo no
país dos aiatolás deverá ter implicações muito mais amplas do que os
trambiques no país dos waldomiros.
Uma das nações menos subdesenvolvidas do mundo muçulmano, uma
das culturas mais antigas da humanidade e um dos cinco maiores produtores de petróleo do mundo, o Irã é
uma espécie de centro de gravidade
do islã. Sua posição estratégica ganhou relevo depois que o governo
Bush "ensanduichou" o país entre o
Afeganistão liberado e o Iraque ocupado.
Em 1979, uma revolução fundamentalista derrubou a ditadura modernizante e pró-ocidental do xá Reza Pahlevi. A esquerda internacional comemorou, mas logo se decepcionaria
com os resultados, pois a ditadura dos
aiatolás mostrou-se regressiva e ultraconservadora. O Irã se tornou o primeiro país islâmico importante a adotar o fundamentalismo religioso como
política de Estado.
Como toda revolução, a dos aiatolás
sofreu desgaste com o tempo. A guerra para repelir a invasão iraquiana
(1980-88) e o contencioso com o Ocidente cobraram um preço alto ao país.
Em 1997, a insatisfação latente assumiu forma política com a eleição popular do reformista Mohammad Khatami para presidente. Ele fora o patrono do novo cinema iraniano e o tradutor do livro "A Democracia na América", de Tocqueville, para o persa.
No ano de 2000, os fundamentalistas
perderam o controle do Parlamento.
Desde então, o país está paralisado
por duas estruturas de poder em confronto. De um lado, o Parlamento dominado por "liberais". De outro, o aiatolá Khamenei, líder "espiritual" da
Revolução e sucessor do famoso aiatolá Khomeini, chefe do poder religioso, que prevalece sobre o civil.
O presidente Khatami tentou uma
política de reforma gradual, equilibrando-se entre as duas estruturas paralelas, estratégia um pouco semelhante à de Gorbatchov na extinta
União Soviética e à da dupla Geisel-Golbery no último período da ditadura militar brasileira. Essa política, porém, fracassou. Khatami, que deixa o
cargo no ano que vem, após ter sido
reeleito em 2001, é um fósforo riscado.
O Conselho de Guardiães, órgão tutelado pelos aiatolás, proibiu (e tem
poderes para tanto) a candidatura de
um terço dos reformistas nas eleições
de amanhã. O voto é facultativo, o
comparecimento será baixo. Tudo indica que os fundamentalistas retomarão o controle do Parlamento, deixando aos "liberais" a via da política extraparlamentar.
O principal recurso do Ocidente
contra os fundamentalistas não são as
armas de Bush, mas a sedução do capitalismo tecnológico, a cultura do
shopping center. Assim como o movimento democrático esmagado pelo
PC chinês em 1989, o reformismo iraniano é impulsionado pela população
jovem e seu anseio de liberdade pessoal. Essa é uma "revolução" que pode
ser adiada, mas não detida. Sua força
subterrânea, dissolvente, já derrubou
o totalitarismo socialista e fará o mesmo, um dia, com o islâmico.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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