São Paulo, sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

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RUY CASTRO

Pessoal afobado

RIO DE JANEIRO - Em 1941, ao saber que a futura av. Presidente Vargas passaria o rodo no reduto original do samba, Herivelto Martins e Grande Otelo deram o alarme: "Vão acabar com a praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba, não vai/ Chora o tamborim, chora o morro inteiro/ Favela, Salgueiro, Mangueira, Estação Primeira/ Guardai vossos pandeiros, guardai/ Porque a escola de samba não sai".
Em 1947, desapontado com a atuação da Mangueira no Carnaval anterior, Pedro Caetano denunciou: "Mangueira/ Onde é que estão os tamborins, ó nega?/ Viver somente de cartaz não chega/ Põe as pastoras na avenida / Mangueira querida.// Antigamente havia grande escola/ Lindos sambas do Cartola/ Um sucesso de Mangueira/ Mas hoje o silêncio é profundo/ E por nada deste mundo/ Eu consigo ouvir Mangueira".
Foi pena pela praça Onze, mas, sem ela, e partindo inicialmente para a av. Rio Branco, as escolas ganharam espaço para crescer, e como cresceram. Donde Herivelto e Otelo se alarmaram à toa. Quanto à Mangueira, nunca silenciaria, e Cartola ainda levaria 20 anos para compor seus maiores sambas. Como dizia Rubem Braga, o pessoal é muito afobado.
Nunca ouvi, das maiores autoridades em Carnaval que conheci -Albino Pinheiro e Eneida, no passado, e Haroldo Costa, hoje-, uma opinião catastrofista. Apesar de toda a sua autoridade, eles nunca se arvoraram em decretar o que o Carnaval ou o desfile das escolas "deveria ser". Sabiam que, desde o começo, em 1928 ou 29, elas nunca deixaram de se transformar.
A vitória da coreografia ensaiada sobre o samba no pé nos últimos desfiles do Rio, culminando com o ilusionismo da Unidos da Tijuca, é apenas a etapa atual. Nada impede que o Carnaval de 2020 seja disputado no chão entre passistas descalços, como já foi.


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