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RUY CASTRO
Pessoal afobado
RIO DE JANEIRO - Em 1941, ao
saber que a futura av. Presidente
Vargas passaria o rodo no reduto
original do samba, Herivelto Martins e Grande Otelo deram o alarme: "Vão acabar com a praça Onze/
Não vai haver mais escola de samba,
não vai/ Chora o tamborim, chora o
morro inteiro/ Favela, Salgueiro,
Mangueira, Estação Primeira/
Guardai vossos pandeiros, guardai/
Porque a escola de samba não sai".
Em 1947, desapontado com a
atuação da Mangueira no Carnaval
anterior, Pedro Caetano denunciou: "Mangueira/ Onde é que estão
os tamborins, ó nega?/ Viver somente de cartaz não chega/ Põe as
pastoras na avenida / Mangueira
querida.// Antigamente havia grande escola/ Lindos sambas do Cartola/ Um sucesso de Mangueira/ Mas
hoje o silêncio é profundo/ E por
nada deste mundo/ Eu consigo ouvir Mangueira".
Foi pena pela praça Onze, mas,
sem ela, e partindo inicialmente para a av. Rio Branco, as escolas ganharam espaço para crescer, e como cresceram. Donde Herivelto e
Otelo se alarmaram à toa. Quanto à
Mangueira, nunca silenciaria, e
Cartola ainda levaria 20 anos para
compor seus maiores sambas. Como dizia Rubem Braga, o pessoal é
muito afobado.
Nunca ouvi, das maiores autoridades em Carnaval que conheci
-Albino Pinheiro e Eneida, no passado, e Haroldo Costa, hoje-, uma
opinião catastrofista. Apesar de toda a sua autoridade, eles nunca se
arvoraram em decretar o que o Carnaval ou o desfile das escolas "deveria ser". Sabiam que, desde o começo, em 1928 ou 29, elas nunca deixaram de se transformar.
A vitória da coreografia ensaiada
sobre o samba no pé nos últimos
desfiles do Rio, culminando com o
ilusionismo da Unidos da Tijuca, é
apenas a etapa atual. Nada impede
que o Carnaval de 2020 seja disputado no chão entre passistas descalços, como já foi.
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