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DESGASTE QUE NÃO CESSA
Graças a uma providencial liminar do STF, o governo Lula
pôde comemorar uma vitória nesta
quinta-feira: interrompeu-se, para
alívio petista, o depoimento que o caseiro Francenildo dos Santos Costa
ia prestando à CPI dos Bingos. Vitória jurídica, sem dúvida. Do ponto de
vista moral, entretanto, o resultado é
uma derrota inquestionável.
Qualquer que fosse a consistência
daquele testemunho, nada poderia
incriminar mais o governo que o empenho em suspendê-lo. Mobilizou-se a mais alta corte do país, e os mais
respeitáveis princípios constitucionais se invocaram, para preservar o
ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de um agudo desgaste.
Num desdobramento dos mais nebulosos, noticiou-se que o caseiro
detinha, em sua conta bancária,
quantias incompatíveis com a sua remuneração mensal. Cabe perguntar
-num país em que o sigilo bancário
de personalidades como Paulo Okamotto adquire conotações de respeito quase místico- de que modo as
informações sobre a vida financeira
de Francenildo puderam ser devassadas com tanta sem-cerimônia.
De todo modo, é deprimente, para
não dizer absurdo, que a sustentação
ética e política de um ministro da Fazenda passe a depender não dos números do PIB ou de um passado de
lisura administrativa, e sim da análise do extrato bancário de um caseiro
de mansão suspeita.
Já forçado, em episódio recente, a
corrigir-se de modo constrangedor,
o ministro Palocci de qualquer modo
não tem como recorrer mais uma vez
à célebre desculpa da "imprecisão
terminológica" se quiser convencer a
opinião pública de que nunca freqüentou a casa onde se reuniam, para seus diversos ócios e negócios, os
membros mais operosos da chamada "república de Ribeirão Preto".
Não se trata, aqui, de questionar a
vida íntima do ministro; o direito à
privacidade, embora nunca absoluto
quando se trata de uma figura pública, merece ser levado em consideração. Muito menos seria o caso de
conceder poderes absolutos e extraconstitucionais a uma CPI. É saudável que Judiciário, Executivo e Legislativo se equilibrem e se vigiem mutuamente, conforme a clássica tradição republicana.
A desmoralização do governo Lula
e de seus representantes no Legislativo faz-se entretanto patente quando,
mais uma vez, argumentos de ordem
constitucional não disfarçam o simples objetivo de abafar as investigações em curso. No âmbito da CPI,
votara-se favoravelmente a que o caseiro fosse ouvido; o teor de suas declarações, de resto, já era de conhecimento público. Mesmo assim, os interesses governistas foram bater às
portas do Supremo com indisfarçável sofreguidão.
Vão-se tornando freqüentes os episódios em que o Judiciário não mais
atua simplesmente como um regulador da vida institucional, mas é chamado a intervir pontualmente, de
forma intrusiva e mesmo casuística,
no varejo da disputa política.
Em outros períodos da história
brasileira, foi infelizmente comum
que casos de impasse entre forças
partidárias resultassem em apelos
histéricos à intervenção militar.
Num quadro em que as instituições
da sociedade civil careciam de densidade e de organização própria, as
tensões do mundo político passavam sem filtragem ao campo da turbulência armada.
Vivemos outro estágio de cultura
democrática e institucional; parece
ser sintoma de fragilidade do sistema político, porém, que não consiga
resolver por si mesmo os seus impasses, e que o governo de um partido antes comprometido com a bandeira da ética se sinta tão à vontade
para desconsiderar a opinião pública
e desenvolver proezas de imaginação
casuístico-jurídica na defesa de seus
interesses mais inconfessáveis.
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