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ANTONIO DELFIM NETTO
Três autonomias
EM PRINCÍPIO, quando há liberdade de movimento de capitais, as taxas de juros interna e externa devem ser iguais (a
menos do fator chamado "risco
país"). Define-se, então, a taxa de
câmbio real de "equilíbrio", aquela
que com a economia crescendo robustamente (baixa taxa de desemprego) anula o déficit em conta
corrente no médio prazo. No modelo, a taxa de "equilíbrio" não é
uma constante: ela é determinada
endogenamente pelo mercado em
coordenação com a taxa de juro
real e o nível do salário real, de maneira que não haja acumulação de
superávits ou déficits permanentes
nas contas externas. O diferencial
entre a taxa de juro interna e externa (também determinado pelo
mercado) tem o importante papel
de reduzir as flutuações da taxa de
câmbio através do movimento de
capitais e de reduzir as flutuações
do PIB e do consumo.
Neste mundo idealizado (onde
não há geografia nem história), de
completa integração de todos os
países, onde eficientes mecanismos estabelecem a melhor situação para cada um (maior crescimento, maior emprego e equilíbrio
externo), a livre movimentação de
bens, serviços e capitais ainda traz
como bônus a mesma taxa de inflação para todos. A pequena dificuldade com essa construção de plena
racionalidade, eficiência e bem-estar para todos é que este mundo
não existe. As sociedades humanas
organizam-se em "nações", que
criam seu Estado, pensam egoisticamente, comportam-se agressivamente e tratam de maximizar o seu
bem-estar, não importa se à custa
da diminuição do bem-estar das
outras. Toda sociedade organizada
em Estado procura estabelecer
três autonomias: 1ª) alimentar; 2ª)
energética, para não depender de
eventuais interrupções do comércio produzidas por sua própria
agressividade; 3ª) militar, para, pacificamente, defender-se ou, agressivamente, impor sua vontade às
outras.
Os Estados introduzem uma assimetria fundamental que destrói
aquele mundo idealizado que ingenuamente usamos para julgar as
suas intervenções. Há uma desastrosa inversão de perspectiva: imaginamos que nosso modelo é a realidade e que a intervenção do Estado a perturba. O problema, obviamente, não é o Estado, mas a natureza -o ethos- das sociedades que
os organizam e que são, elas mesmas, sujeitas às leis da evolução.
Esqueçamos a bobagem da moda
que afirma que a globalização eliminou o poder dos Estados. Eles
estão aí, mais fortes do que nunca,
como mostram EUA, Rússia, China, Índia e Irã, em disputas que disfarçam mal a busca das três autonomias. O Brasil não é exceção:
apenas não sabe, mas também está
atrás delas...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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