São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Três autonomias

EM PRINCÍPIO, quando há liberdade de movimento de capitais, as taxas de juros interna e externa devem ser iguais (a menos do fator chamado "risco país"). Define-se, então, a taxa de câmbio real de "equilíbrio", aquela que com a economia crescendo robustamente (baixa taxa de desemprego) anula o déficit em conta corrente no médio prazo. No modelo, a taxa de "equilíbrio" não é uma constante: ela é determinada endogenamente pelo mercado em coordenação com a taxa de juro real e o nível do salário real, de maneira que não haja acumulação de superávits ou déficits permanentes nas contas externas. O diferencial entre a taxa de juro interna e externa (também determinado pelo mercado) tem o importante papel de reduzir as flutuações da taxa de câmbio através do movimento de capitais e de reduzir as flutuações do PIB e do consumo.
Neste mundo idealizado (onde não há geografia nem história), de completa integração de todos os países, onde eficientes mecanismos estabelecem a melhor situação para cada um (maior crescimento, maior emprego e equilíbrio externo), a livre movimentação de bens, serviços e capitais ainda traz como bônus a mesma taxa de inflação para todos. A pequena dificuldade com essa construção de plena racionalidade, eficiência e bem-estar para todos é que este mundo não existe. As sociedades humanas organizam-se em "nações", que criam seu Estado, pensam egoisticamente, comportam-se agressivamente e tratam de maximizar o seu bem-estar, não importa se à custa da diminuição do bem-estar das outras. Toda sociedade organizada em Estado procura estabelecer três autonomias: 1ª) alimentar; 2ª) energética, para não depender de eventuais interrupções do comércio produzidas por sua própria agressividade; 3ª) militar, para, pacificamente, defender-se ou, agressivamente, impor sua vontade às outras.
Os Estados introduzem uma assimetria fundamental que destrói aquele mundo idealizado que ingenuamente usamos para julgar as suas intervenções. Há uma desastrosa inversão de perspectiva: imaginamos que nosso modelo é a realidade e que a intervenção do Estado a perturba. O problema, obviamente, não é o Estado, mas a natureza -o ethos- das sociedades que os organizam e que são, elas mesmas, sujeitas às leis da evolução.
Esqueçamos a bobagem da moda que afirma que a globalização eliminou o poder dos Estados. Eles estão aí, mais fortes do que nunca, como mostram EUA, Rússia, China, Índia e Irã, em disputas que disfarçam mal a busca das três autonomias. O Brasil não é exceção: apenas não sabe, mas também está atrás delas...


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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