São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A nova regulamentação do setor financeiro

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA


Estamos vivenciando o risco do desconhecido. Não há melhor antídoto para solucioná-lo a não ser um debate amplo e aberto

NO BRASIL, o tema governança corporativa ganhou dimensão adicional com a criação do Novo Mercado pela Bovespa, no inicio deste século 21. A iniciativa estabelece um conjunto de regras a serem seguidas por companhias abertas que queiram ter suas ações negociadas nesse segmento especial na Bolsa de São Paulo, assumindo um padrão diferenciado de relacionamento com o mercado e seus acionistas e que, neste momento, passa por um processo de revisão.
O comportamento dos mercados, entretanto, estará fortemente vinculado ao que vier a ser adotado com o redesenho para o novo sistema financeiro mundial.
Esse novo capítulo do mercado será escrito quando a crise financeira que nos assola tiver sido controlada.
Novas regras vão surgir para atender ao clamor de autoridades, legisladores e investidores, os grandes prejudicados nessa debacle que atingiu todos os mercados nos últimos dois anos -e que infelizmente não dá mostras de estar totalmente equacionada.
Evidentemente, a legislação e os regulamentos que se seguirão buscarão cobrir as deficiências atuais e as insuficiências claramente indicadas nos procedimentos autorregulatórios.
Obviamente, há que coibir abusos, como também é preciso evitar que, de uma legislação considerada por muitos de excessiva liberalidade, passemos ao outro extremo de regras, que acabe por engessar os mercados. Na fase atual seria essencial, em primeiro lugar, estancar a desconfiança que afeta o mercado bancário, principalmente nos EUA e na Europa.
Sobre essa nova regulamentação dos mercados financeiros, estamos diante de alguns itens que de alguma forma farão parte desse novo arcabouço. As considerações indicadas a seguir foram pinçadas do grupo de trabalho de 30 pessoas liderado por Paul Volcker (ex-FED) -no qual teve atuante participação o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga:
1) Atividades bancárias garantidas por seguro-depósito devem ser fiscalizadas por um único órgão regulador;
2) Fundos mútuos que ainda desejarem oferecer serviços bancários terão de se reorganizar como "ban-cos de propósito especial". Dessa forma, serão supervisionados pelo órgão regulador e terão acesso às linhas de crédito de última instância dos bancos centrais;
3) Administradores de fundos de hedge e de private equity que em- pregam recursos significativos ori- ginários de endividamento devem registrar sua atividade em um órgão regulador nacional;
4) Para os fundos de tamanho potencialmente significativo do ponto de vista sistêmico, o regulador deverá ter autoridade para estabelecer padrões de capital, liquidez e gerenciamento de risco;
5) A jurisdição dos fundos deverá se basear na localização primária dos seus administradores. O objetivo é evitar que os fundos de hedge e de private equity em paraísos fiscais e financeiros sejam inimputáveis e não se submetam à regulação e à supervisão de seus países de origem;
6) Os bancos centrais devem ter autoridade para oferecer crédito, em caráter emergencial, a instituições não bancárias. Deverão atuar preventivamente para evitar ou minimizar crises e ter regras compatíveis;
7) Princípios e padrões contábeis devem ser reavaliados a fim de se desenvolverem parâmetros mais realistas para lidar com menos instrumentos líquidos e mercados em crise;
8) Os reguladores devem exigir que as instituições financeiras assumam uma porção significativa do risco de crédito que elas empacotam em produtos securitizados e em outros créditos estruturados;
9) A regulação dos mercados de securitização, de produtos estruturados e de derivativos deve ter, no mínimo, padrões regulatórios de transparência e de abertura do mercado de títulos públicos;
10) Deve haver a criação de um sistema formal para regular e supervisionar as operações de derivativos negociadas no mercado de balcão ("over-the-counter market").
Ao final desse processo, esperamos ter produtos financeiros mais simples e com regulação mais rigorosa. Esses e outros tópicos estarão incluídos na agenda do G20 -que se reunirá em abril em Londres, onde o Brasil, um de seus originadores, estará presente.
A agenda provavelmente incluirá também o controverso e polêmico assunto dos "paraísos fiscais".
Um dos principais problemas que vivenciamos hoje é o risco do desconhecido. Não há melhor antídoto para solucioná-lo a não ser maior transparência e debate amplo e aberto sobre os caminhos a serem seguidos.


ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, economista, é socio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e membro do conselho de administração da SulAmérica. Foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e presidiu o Conselho de Empresários da América Latina.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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