São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Reforma política e democracia
EMIR SADER
Uma reforma democrática da política supõe a refundação do Estado brasileiro, que precisa deixar de ser privatizado, para se articular em torno da esfera pública, aquela responsável pela universalização dos direitos. Um instrumento essencial desse processo é a política de Orçamento Participativo, através da qual a cidadania organizada, e não o Banco Central ou alguma outra instância, inclusive o FMI, sobre o qual a população, que trabalha e paga impostos, tem que ter seus direitos garantidos como prioridade por parte do Estado, deve decidir sobre o destino dos recursos arrecadados. Sem essa forma democrática de decisão, a sociedade seguirá sendo alienada em relação ao Estado e às formas de transferência de recursos de uns setores sociais para outros. Questões como a taxa de juros e o déficit público, que afetam profundamente a vida da população de forma extremamente negativa, como se viu pelo balanço terrível sobre a população no ano passado, não podem ser de responsabilidade de tecnocratas, sem controle social, vários deles até recentemente altos funcionários de bancos -justamente os que mais lucram com essa política anti-social. Ao mesmo tempo, uma reforma do sistema político requer uma redefinição profunda das relações entre governantes e governados, entre representantes e representados. Isso não será obtido com uma medida cosmética qualquer, como o voto distrital, por exemplo. Este só avança nessa direção essencial se for instrumento para o voto condicionado, isto é, para o poder dos eleitores de destituir, a qualquer momento do mandato, seus representantes, conforme estes descumpram o voto, considerado um contrato político entre eleitores e eleitos. Só assim a cidadania poderá controlar, junto com o Orçamento Participativo, a atuação dos governantes. O Brasil perdeu uma oportunidade histórica de fazer a reforma tributária com um profundo caráter redistributivo, essencial para um país com a péssima distribuição de renda que temos. Não pode agora perder a oportunidade de revigorar o sistema político, fazendo um arremedo de reforma -tão a gosto dos que se perpetuam nos cargos de poder-, em vez de redefinir as relações entre governantes e governados. Como dizia Gramsci, há dois tipos de político: os que querem aprofundar o fosso entre governantes e governados e os que lutam para superá-lo, pela socialização da política e do poder, constituindo todos os indivíduos como cidadãos. Aqueles são os oligarcas, estes os democratas. Emir Sader, 60, é professor de sociologia da USP e da Uerj, onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É autor de "A Vingança da História" (Boitempo Editorial), entre outros livros. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: João Herrmann Neto: Um novo Ato Institucional Índice |
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