|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A justiça como base do desenvolvimento
Como podem iniciativas sóbrias,
tomadas com meios disponíveis,
melhorar a vida de dezenas de milhões de pessoas no Brasil? Exemplifico nas três áreas em que o país mais
requer mudança de rumo: a situação
do trabalhador, a qualidade do ensino
e a influência do dinheiro na política.
Candidatos prometem empregos. O
eleitorado, com toda a razão, não
acredita. O que governos podem fazer
é favorecer o crescimento econômico.
E fortalecer a posição do trabalhador
de maneira que aprofunde a dinâmica
do crescimento em vez de ameaçá-la.
Hoje a maior e mais imediata contribuição que se pode dar ao crescimento é pôr o juro real abaixo do lucro médio das empresas. E a maneira mais
eficaz de surtir esse efeito é persistir no
sacrifício fiscal, usando o poder de
barganha que dele resulta para baixar
o juro e para diminuir a parte da receita pública destinada a pagar os credores do Estado.
Já no fortalecimento da situação do
trabalhador, a inovação prioritária é
abolir todos os impostos e encargos
que recaem sobre a folha de salários.
Financiemos os direitos com os impostos gerais. Invertamos a lógica do
sistema atual, incentivando, em vez de
castigar, quem emprega e qualifica o
trabalhador. Só assim podemos resgatar da informalidade a mais da metade
de nossa força de trabalho que trabalha sem carteira assinada.
Aprimorar a qualidade do ensino
público passa por avaliação constante
de resultados e de falhas, por definição
de mínimos de investimento em cada
aluno e de desempenho de cada escola, por introdução de procedimentos
que flexibilizem o regime federativo,
permitindo intervir corretivamente
quando os mínimos deixarem de ser
satisfeitos e redistribuir recursos e
quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres, e por consolidação
de pedagogia centrada no cultivo de
capacidades analíticas, não em enciclopedismo passivo e livresco. Escola
pública que preste precisa ser capaz de
atrair a classe média. E o estudante pobre, que demonstre dedicação e talento, deve contar com apoios e com
oportunidades extraordinários.
Antes mesmo da reforma, tão urgente, do sistema de financiamento
eleitoral, é preciso sanear a vida pública brasileira: desfazer a teia de achacamentos, de compadrios, de tráfico de
influência e de troca de favores que
une governantes e grandes empresários na prática permanente de um crime que atenta contra o futuro do país.
Para isso, não é preciso mudar qualquer lei. Basta cumprir leis em vigor.
Uma única idéia anima e unifica todas as partes dessa lista de medidas
emergenciais. É o compromisso de
transformar exigências de justiça em
condições de progresso prático. No
passado, o conceito foi crescer para
ter, depois, os meios com que fazer
justiça. Agora, o princípio deve ser fazer justiça para poder crescer. Transformar a democratização das oportunidades de trabalho e de ensino e o saneamento da vida pública em motores
de desenvolvimento.
A utopia realista que convém ao
Brasil, aquela que a nação continua,
com espasmos de descrença e de frustração, a buscar, é a da energia construtiva, manifesta no esforço de equipar os que não têm como e os que não
sabem como. Um país que cultiva a
pujança e venera a ternura não reconciliará os dois lados de sua consciência
coletiva sem refundar o desenvolvimento sobre a base da justiça.
Roberto Mangabeira Unger
escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A chaminé Próximo Texto: Frases
Índice
|