São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A justiça como base do desenvolvimento

Como podem iniciativas sóbrias, tomadas com meios disponíveis, melhorar a vida de dezenas de milhões de pessoas no Brasil? Exemplifico nas três áreas em que o país mais requer mudança de rumo: a situação do trabalhador, a qualidade do ensino e a influência do dinheiro na política.
Candidatos prometem empregos. O eleitorado, com toda a razão, não acredita. O que governos podem fazer é favorecer o crescimento econômico. E fortalecer a posição do trabalhador de maneira que aprofunde a dinâmica do crescimento em vez de ameaçá-la. Hoje a maior e mais imediata contribuição que se pode dar ao crescimento é pôr o juro real abaixo do lucro médio das empresas. E a maneira mais eficaz de surtir esse efeito é persistir no sacrifício fiscal, usando o poder de barganha que dele resulta para baixar o juro e para diminuir a parte da receita pública destinada a pagar os credores do Estado.
Já no fortalecimento da situação do trabalhador, a inovação prioritária é abolir todos os impostos e encargos que recaem sobre a folha de salários. Financiemos os direitos com os impostos gerais. Invertamos a lógica do sistema atual, incentivando, em vez de castigar, quem emprega e qualifica o trabalhador. Só assim podemos resgatar da informalidade a mais da metade de nossa força de trabalho que trabalha sem carteira assinada.
Aprimorar a qualidade do ensino público passa por avaliação constante de resultados e de falhas, por definição de mínimos de investimento em cada aluno e de desempenho de cada escola, por introdução de procedimentos que flexibilizem o regime federativo, permitindo intervir corretivamente quando os mínimos deixarem de ser satisfeitos e redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres, e por consolidação de pedagogia centrada no cultivo de capacidades analíticas, não em enciclopedismo passivo e livresco. Escola pública que preste precisa ser capaz de atrair a classe média. E o estudante pobre, que demonstre dedicação e talento, deve contar com apoios e com oportunidades extraordinários.
Antes mesmo da reforma, tão urgente, do sistema de financiamento eleitoral, é preciso sanear a vida pública brasileira: desfazer a teia de achacamentos, de compadrios, de tráfico de influência e de troca de favores que une governantes e grandes empresários na prática permanente de um crime que atenta contra o futuro do país. Para isso, não é preciso mudar qualquer lei. Basta cumprir leis em vigor.
Uma única idéia anima e unifica todas as partes dessa lista de medidas emergenciais. É o compromisso de transformar exigências de justiça em condições de progresso prático. No passado, o conceito foi crescer para ter, depois, os meios com que fazer justiça. Agora, o princípio deve ser fazer justiça para poder crescer. Transformar a democratização das oportunidades de trabalho e de ensino e o saneamento da vida pública em motores de desenvolvimento.
A utopia realista que convém ao Brasil, aquela que a nação continua, com espasmos de descrença e de frustração, a buscar, é a da energia construtiva, manifesta no esforço de equipar os que não têm como e os que não sabem como. Um país que cultiva a pujança e venera a ternura não reconciliará os dois lados de sua consciência coletiva sem refundar o desenvolvimento sobre a base da justiça.


Roberto Mangabeira Unger
escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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