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Recuo em Roraima
Fala de comandante militar da Amazônia implica retrocesso na política de demarcação de terras indígenas
O DEBATE sobre a questão indígena no Brasil
recuou pelo menos
duas décadas. O direito
dos índios à terra tradicionalmente ocupada, tão líquido e certo que terminou consagrado no
artigo 231 da Constituição de
1988, volta a ser questionado
-de modo mais acintoso pelo comandante militar da Amazônia,
general Augusto Heleno.
Oficiais militares da ativa devem obediência a seus superiores na cadeia de comando, em
cujo ápice se encontra o presidente da República, comandante-em-chefe das Forças Armadas. Ao se insurgir contra uma
política de governo, o general se
aproxima perigosamente da insubordinação e deveria receber
punição apropriada.
Na raiz desse retrocesso está a
Terra Indígena Raposa/Serra do
Sol. Ela teve sua homologação
-último passo administrativo
para o reconhecimento- decretada pela Presidência da República em 2005.
Militares, políticos roraimenses e fazendeiros argumentam
contra a demarcação contínua e
a extensão da reserva, de 17.475
km2. Seria terra demais para
uma população de 15 mil a 17 mil
ingaricós, macuxis, patamonas,
taurepangues e uapixanas. Metade da superfície de Roraima ficaria com ela imobilizada, o que
alegadamente devolveria o Estado à condição de Território.
Localizada em faixa de fronteira, a terra indígena impediria as
Forças Armadas de zelar pela soberania nacional na região, ponderam os adversários da reserva
tal como homologada. Por fim, a
retirada de plantadores de arroz
inviabilizaria 6% da economia
roraimense. Uma demarcação
em "ilhas" resolveria a questão e
afastaria o risco de conflito.
Não resta dúvida de que a terra
indígena no nordeste de Roraima é grande, pois equivale a cerca de 80% de Sergipe. Isso representa, porém, menos de 8% do
território de Roraima; apenas
somando outras 31 terras indígenas no Estado obtêm-se os 46%
de sua superfície reservada. Nos
outros 54% cabem Rio de Janeiro, Espírito Santo e Alagoas, onde vivem 22 milhões de pessoas.
Roraima não chega a 400 mil habitantes, segundo o IBGE.
O argumento da perda de soberania tampouco resiste ao
exame desapaixonado. Terras
indígenas são da União e acessíveis às Forças Armadas, como
assegura o artigo 4º do decreto
de homologação. No mesmo Estado e também na fronteira fica
a área ianomâmi homologada
em 1992, seis vezes maior, que
nem por isso se tornou uma nação independente.
Os arrozeiros ampliaram as lavouras quando o processo de demarcação já estava em curso.
Como não são proprietários legítimos da terra, só as benfeitorias
podem ser indenizadas, compromisso já assumido pelo governo.
Ao resistir à desocupação por
meios violentos, penetram ainda
mais fundo na ilegalidade.
É imperioso resistir a esse retrocesso. Espera-se que o STF,
quando julgar o mérito de dezenas de ações pendentes contra
Raposa/Serra do Sol, reafirme
decisões anteriores e mantenha
a integridade da terra indígena.
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