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RAUL JUSTE LORES
Paranóia olímpica
O GOVERNO chinês aposta alto no surto nacionalista.
Jornais e televisão estatais
falam sem parar no complô que
"potências e mídia ocidentais" armam contra a Olimpíada de
Pequim.
Inventar um inimigo externo até
pode ser vantajoso para a política
doméstica imediata do Partido Comunista, há 58 anos no poder, mas
já compromete os Jogos, que seriam a exibição de desenvolvimento do país.
Pela propaganda e pelo trato dado aos dissidentes e ao Tibete, o
que a China mostra é a sua velha
cara autoritária. Só um punhado de
belos prédios não é garantia de
modernidade.
A China enriqueceu e prosperou
ao se abrir para o resto do mundo.
Apesar de os estudantes chineses
aprenderem que o país foi "humilhado" nos últimos 150 anos por
potências ocidentais, as maiores
calamidades que o país sofreu no
século passado foram ações internas de seus líderes -dos 30 milhões de mortos de fome no Grande Salto à repressão da Revolução
Cultural.
Na última década, chefes de Estado e donos das maiores empresas
do mundo chegaram a Pequim como vassalos dos tempos modernos.
Em troca de negócios com o país,
deixaram de lado os direitos humanos, a devastação do meio ambiente local e, principalmente, a situação do trabalhador chinês -digna
da Londres do século 19 em algumas linhas de montagem.
Pela mesma razão, o Comitê
Olímpico Internacional concedeu
a Olimpíada a Pequim, ainda que a
cidade seja a mais poluída do mundo. A promessa de que haveria um
respeito maior aos direitos humanos foi esquecida -e nem é cobrada pelo COI. O número de prisões
de dissidentes aumentou.
O extraordinário sucesso econômico chinês alcançado nestas últimas três décadas não exime o país
de críticas externas. Felizmente,
nem tudo na vida se resume a dinheiro, como alguns comunistas
parecem crer.
Ao se tornar potência e querer
abrigar eventos internacionais, a
China precisa estar mais madura
para a democracia que existe fora
de suas fronteiras.
Protestos contra a tocha olímpica na Europa ou críticas exageradas feitas na rede de TV CNN não
podem ser reprimidos ao estilo
chinês. Alguns tibetanos devem comemorar o empurrãozinho que a
linha-dura chinesa deu à promoção de sua causa.
Bush recorreu ao nacionalismo
ferido para invadir o Iraque, passando por cima da ONU. Foi criticado em casa e em todo o mundo,
inclusive pela China. Até se reelegeu. Mas essa história a gente já sabe como acabou.
RAUL JUSTE LORES é correspondente em Pequim.
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