São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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RAUL JUSTE LORES

Paranóia olímpica

O GOVERNO chinês aposta alto no surto nacionalista. Jornais e televisão estatais falam sem parar no complô que "potências e mídia ocidentais" armam contra a Olimpíada de Pequim.
Inventar um inimigo externo até pode ser vantajoso para a política doméstica imediata do Partido Comunista, há 58 anos no poder, mas já compromete os Jogos, que seriam a exibição de desenvolvimento do país.
Pela propaganda e pelo trato dado aos dissidentes e ao Tibete, o que a China mostra é a sua velha cara autoritária. Só um punhado de belos prédios não é garantia de modernidade.
A China enriqueceu e prosperou ao se abrir para o resto do mundo. Apesar de os estudantes chineses aprenderem que o país foi "humilhado" nos últimos 150 anos por potências ocidentais, as maiores calamidades que o país sofreu no século passado foram ações internas de seus líderes -dos 30 milhões de mortos de fome no Grande Salto à repressão da Revolução Cultural.
Na última década, chefes de Estado e donos das maiores empresas do mundo chegaram a Pequim como vassalos dos tempos modernos.
Em troca de negócios com o país, deixaram de lado os direitos humanos, a devastação do meio ambiente local e, principalmente, a situação do trabalhador chinês -digna da Londres do século 19 em algumas linhas de montagem.
Pela mesma razão, o Comitê Olímpico Internacional concedeu a Olimpíada a Pequim, ainda que a cidade seja a mais poluída do mundo. A promessa de que haveria um respeito maior aos direitos humanos foi esquecida -e nem é cobrada pelo COI. O número de prisões de dissidentes aumentou.
O extraordinário sucesso econômico chinês alcançado nestas últimas três décadas não exime o país de críticas externas. Felizmente, nem tudo na vida se resume a dinheiro, como alguns comunistas parecem crer.
Ao se tornar potência e querer abrigar eventos internacionais, a China precisa estar mais madura para a democracia que existe fora de suas fronteiras.
Protestos contra a tocha olímpica na Europa ou críticas exageradas feitas na rede de TV CNN não podem ser reprimidos ao estilo chinês. Alguns tibetanos devem comemorar o empurrãozinho que a linha-dura chinesa deu à promoção de sua causa.
Bush recorreu ao nacionalismo ferido para invadir o Iraque, passando por cima da ONU. Foi criticado em casa e em todo o mundo, inclusive pela China. Até se reelegeu. Mas essa história a gente já sabe como acabou.


RAUL JUSTE LORES é correspondente em Pequim.


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