São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Judiciário cada vez mais perto

MARCO AURÉLIO DE MELLO



Finalmente a magistratura parece haver entendido a necessidade de sair das torres de marfim
Nos quatro cantos do mundo, a Justiça sempre se vestiu de preto. As longas e vetustas togas que ainda pesam sobre os ombros dos magistrados durante as sessões de julgamento -em alguns países, são exigidos, além de perucas, alguns aparatos e ritos medievais -foram eleitas, desde o início, como símbolo da gravidade de que se deve revestir a missão de julgar.
Erigida, assim, à condição de entidade divina, hermética e, portanto, inacessível aos comuns mortais, pouco a pouco a Justiça foi-se distanciando da comunidade à qual cumpre servir, como se esse isolamento pudesse garantir o máximo de circunspecção e imparcialidade.
Felizmente esse quadro vem-se alterando nos últimos tempos. Hoje é quase consensual o entendimento de que o juiz precisa se fazer atento aos problemas sociais rotineiros, e não alheio, estar de olhos bens abertos ao cotidiano, retirando quaisquer vendas, mormente as ideológicas, para poder sabiamente decidir. Conquanto os paramentos ainda vigorem, finalmente a magistratura parece haver entendido a necessidade de sair das torres de marfim nas quais se procura resguardar, de onde provém a maioria das sentenças inverossímeis, apartadas da realidade e, por isso mesmo, desacreditadas já no nascedouro.
O Legislativo e o Executivo, compreendendo bem mais cedo a premência de se comunicarem de maneira mais efetiva com o povo, trataram de abrir canais exclusivos tanto. Daí o surgimento de estações de rádio e de televisão, como a TV Senado, a TV Câmara e a Radiobrás, destinadas à transmissão das atividades relacionadas com a atuação de tais Poderes. A transparência, tônico infalível da cidadania, outorga confiabilidade e, logo, maior respeito.
Por sua vez, a população, mais bem informada, credencia-se a participar decisivamente das escolhas que afetam os rumos do país, de forma a poder exigir, por exemplo, o efetivo cumprimento das leis.
Assim também a TV Justiça, criada pela lei nš 10.461, de 17/5/02, objetiva conferir publicidade aos procedimentos jurisdicionais, tornando-os, assim, mais acessíveis à população, que há muito reclama do distanciamento do Judiciário -em parte devido à linguagem excessivamente técnica e, por isso, obscura usada nos meios forenses.
Por outro lado, a grande variedade de recursos processuais parece tornar impossíveis os desfechos dos casos, como numa novela arrastada que tende a se transformar em verdadeira pantomima, dando a errônea impressão de ineficácia e impunidade. Para muitos é difícil apreender o papel de tantos tribunais, a se sobreporem uns aos outros aparentemente de forma desordenada, o que, à primeira vista, estaria a retirar-lhes a autoridade. Portanto, a exemplo do que acontece em outros países, como os EUA e a França, a TV Justiça vem para demonstrar que a coisa não é tão abominável quanto se pensa.
Além de atender ao princípio constitucional da publicidade dos atos processuais, o canal tem função didática, pois oferece aos cidadãos a oportunidade de conhecer como funciona a Justiça brasileira, facultando aos operadores do direito acesso imediato aos julgamentos e decisões, de maneira a complementar os benefícios já obtidos com a utilização da internet.
Enganam-se os que acreditam no descaso das pessoas no que tange aos assuntos jurídicos. Desde o início do século 18, a curiosidade popular acerca desses temas vem sendo suprida por informes diários e colunas especializadas. Atualmente é cada vez maior o tempo destinado pelos jornais televisivos às notícias sobre os feitos dos órgãos do Judiciário e daqueles cujas funções são consideradas essenciais à Justiça -quais sejam, os integrantes do Ministério Público, da Advocacia e da Defensoria Públicas, bem como os advogados brasileiros. Nada mais natural, diante da enorme repercussão desses atos na rotina de cada qual e do país.
E assim deve ser, de vez que, mais forte e acatado o Judiciário, mais sólida se afigura a democracia, que de forma nenhuma prescinde do respeito irrestrito e obsequioso às instituições. Todavia as informações surgem por vezes superficiais ou incompletas -não por má-fé, mas ante a exiguidade de tempo, os elevados custos de operacionalização desses veículos e a urgência em informar objetivamente. O risco de uma divulgação equivocada é tanto maior quanto mais complexo se revela o ato judicial.
Desafortunadamente, esse tipo de notícia é a que mais chama a atenção da sociedade, o que causa danos irreversíveis à imagem do Judiciário. A explicação, quando vem, não anula o prejuízo.
Dada a dimensão continental do Brasil, optou-se por uma programação produzida a partir dos diversos órgãos e serviços ligados ao Judiciário, de forma a abranger todos os ramos, instâncias e jurisdições. Isso significa que a TV Justiça procederá de maneira descentralizada, gerando, em Brasília, o noticiário, baseado nas variadas fontes de informação coletadas no território nacional.
Estou certo de que a TV Justiça haverá de contribuir para a imprescindível desmitificação do dia-a-dia do Judiciário brasileiro, a resultar na aproximação dos jurisdicionados -que, assim, terão mais condições de exercitar o inalienável direito à cidadania.
De outra parte, como ocorreu na esfera legislativa, bem-vindo será o aperfeiçoamento dos serviços prestados nos fóruns, de vez que a transparência necessariamente deverá produzir bons e pertinentes frutos. Porque, como bem dizia Machado de Assis, na sua insuplantável capacidade de observação da natureza humana, "não é bonito aparecer despenteado aos olhos do futuro".


Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, 55, presidente do Supremo Tribunal Federal, é o presidente em exercício do Brasil.


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