São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Nem tanto, nem tão pouco
EDUARDO GRAEFF
Pegue o noticiário dos últimos dias e experimente fazer o seguinte: de um lado separe as análises, bem fundamentadas ou nem tanto, que apontam as dificuldades da atual política econômica e ficam nisso. De outro lado, esprema as manifestações pedindo um "novo modelo" de desenvolvimento em contraposição ao "neoliberalismo", "monetarismo", "malanismo" ou sei lá (também nesse campo de pensamento o mal tem muitos nomes). Descarte, por favor, os apelos aflitos -de empresários, da base do governo, de ministros, até de dentro do Palácio do Planalto- por mais "ousadia", como se a economia fosse um carro de corrida e faltasse um piloto para andar com fé em Deus e o pé na tábua. Está certo que pilotagem é fundamental na política econômica, como em toda política. Não adianta ter um bom mapa se você tropeça no primeiro imprevisto. Mas ousadia?! Que é isso? Um dote técnico ou psicológico independente da fragilidade política do governo? Ou será, afinal, o nome enfim revelado do "novo modelo"? Sai o neoliberalismo, entra a ousadia. Ora, nem tanto, nem tão pouco! Agora junte o que passar na peneira e tente encher uma xícara de alternativas políticas plausíveis. Difícil, não é? É, mas não impossível. Garimpando bem, o debate traz argumentos consistentes mostrando como seria possível, em outro contexto político, manejar melhor câmbio, juros e a equação fiscal para afrouxar o nó da balança de pagamentos e dar alguma folga para o crescimento da economia. Há uma apreciação mais desinibida do papel da ação governamental para reconhecer e fomentar vantagens competitivas do país na economia global. Há idéias interessantes, correndo meio por fora, sobre como tecnologia e inovação podem ampliar os graus de liberdade da política econômica. Há propostas para consolidar e ampliar a agenda das reformas do Estado, que continua sendo um osso duro de roer. Para não cair no economicismo, também existe uma consciência crescente da importância do capital social e do enraizamento das práticas democráticas como base de um desenvolvimento sustentável e mais equilibrado. Começaram a cobrar a oposição -o PSDB, principalmente. Alguns, já de dedo em riste: "Como é, vocês vão ficar só esperando para surfar na onda da desilusão com Lula ou têm alguma idéia nova para apresentar?". Digo que, contudo e por tudo, as idéias vão aparecendo. Na universidade (em algumas instituições), em centros de estudos autônomos, nos fóruns técnicos, profissionais e de classe, na imprensa, até nos partidos, embora não seja nossa tradição ter usinas de idéias nos partidos. O problema da oposição é antes manter a sintonia com os múltiplos canais onde uma nova agenda para o país pode estar sendo gestada. Deixando o PT no governo às voltas com seus próprios dilemas. E sem se deixar contagiar nem distrair pela pirotecnia retórica. Eduardo Graeff, 54, sociólogo, foi assessor parlamentar e secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Arnaldo Niskier: Invencioneiro e linguarudo Índice |
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