|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
O saldo da segunda-feira negra
O que aconteceu em São Paulo
não pode ser tratado de maneira
superficial nem sob qualquer ângulo
de conotação política ou partidária.
Perplexo, o povo brasileiro viu e sentiu a impotência do Estado e o seu despreparo -e Estado aqui não é o ente
federativo- diante de uma situação
de colapso da ordem.
Diante de uma situação dessas, o
único instrumento que a sociedade teve para apoiar-se e defender-se foi o
medo. É ele que faz as pessoas ficarem
em casa, os transportes não funcionarem e a própria autoridade constituída não saber o que fazer. É ele quem
protege. E era contra ele que Roosevelt
colocava uma das quatro liberdades
em seu famoso discurso de janeiro de
1941: a liberdade contra o medo.
A verdade é que ficou provada a
existência de uma organização forte,
articulada, motivada seja lá por que
for e disposta a tudo. Seu inimigo é o
Estado, é a sociedade que a criou, dando surgimento a essa revolta anárquica que hoje é uma mistura de ódio
sem objetivo definido, dirigido a tudo
e a todos.
A isso se chama desde o começo da
humanidade de terror. Tom Holland,
em um livro de agora, diz que "os romanos matavam para inspirar terror,
não por arroubos frenéticos". Na cabeça dos responsáveis pela "segunda-feira negra", não estava ganhar qualquer conquista às suas reivindicações
com algumas mortes de vingança
-vingança que não caía sobre seus
algozes, mas, indiscriminadamente,
em inocentes e em vítimas de ocasião.
Não há ideologia, mas, pior que isso, o
niilismo, o vazio das motivações. A
violência como vindita.
Vamos às causas. O poder coercitivo
das leis e o receio das penas só se tornam efetivos se elas -lei e pena- forem aplicadas. A prisão teoricamente
é destinada a proteger a sociedade
contra a reincidência e a promover a
regeneração do culpado. Como esperar que isso aconteça se a Justiça está
desaparelhada, se milhões de processos aí estão acumulados sem andamento e sem julgamento pela crise do
Judiciário, se centenas de milhares de
mandados de prisão estão por serem
cumpridos e se o sistema penitenciário é insuficiente, está em frangalhos,
não existe e as prisões, em vez de regenerar, são depósitos de presos e escolas de atrocidades?
E bombardeia-se a sociedade pedindo penas mais severas e repressão
maior. E todo dia estende-se mais a
denominação de crime hediondo, como se isso fosse meio de inibir qualquer crime, quando todos sabem que
nada funciona, nem atemoriza, nem
inibe.
O sistema penal faliu, acabou. As leis
que fizemos protegem os presos e desprezam as vítimas, e não há meios de
corrigir nem reprimir o crime. Hoje, a
preferência é o combate aos crimes
que dão notícia na imprensa, e não aos
que ameaçam a sociedade.
São uma ignomínia as prisões brasileiras. Para combater a violência, são
necessárias prisões dignas e justiça célere. Se rápido não fizermos isso, o tráfico e o terror levarão o país a um trágico encontro, ou melhor, confronto.
Graças a Deus, não temos sibilas a
consultar, senão elas poderiam nos
encher de medo e de previsões, matando a ilusão do doce jeito de ser brasileiro, com a cultura da alegria e da
cordialidade.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Deu no "New York Times" Próximo Texto: Frases
Índice
|