São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2006

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JOSÉ SARNEY

O saldo da segunda-feira negra

O que aconteceu em São Paulo não pode ser tratado de maneira superficial nem sob qualquer ângulo de conotação política ou partidária.
Perplexo, o povo brasileiro viu e sentiu a impotência do Estado e o seu despreparo -e Estado aqui não é o ente federativo- diante de uma situação de colapso da ordem.
Diante de uma situação dessas, o único instrumento que a sociedade teve para apoiar-se e defender-se foi o medo. É ele que faz as pessoas ficarem em casa, os transportes não funcionarem e a própria autoridade constituída não saber o que fazer. É ele quem protege. E era contra ele que Roosevelt colocava uma das quatro liberdades em seu famoso discurso de janeiro de 1941: a liberdade contra o medo.
A verdade é que ficou provada a existência de uma organização forte, articulada, motivada seja lá por que for e disposta a tudo. Seu inimigo é o Estado, é a sociedade que a criou, dando surgimento a essa revolta anárquica que hoje é uma mistura de ódio sem objetivo definido, dirigido a tudo e a todos.
A isso se chama desde o começo da humanidade de terror. Tom Holland, em um livro de agora, diz que "os romanos matavam para inspirar terror, não por arroubos frenéticos". Na cabeça dos responsáveis pela "segunda-feira negra", não estava ganhar qualquer conquista às suas reivindicações com algumas mortes de vingança -vingança que não caía sobre seus algozes, mas, indiscriminadamente, em inocentes e em vítimas de ocasião. Não há ideologia, mas, pior que isso, o niilismo, o vazio das motivações. A violência como vindita.
Vamos às causas. O poder coercitivo das leis e o receio das penas só se tornam efetivos se elas -lei e pena- forem aplicadas. A prisão teoricamente é destinada a proteger a sociedade contra a reincidência e a promover a regeneração do culpado. Como esperar que isso aconteça se a Justiça está desaparelhada, se milhões de processos aí estão acumulados sem andamento e sem julgamento pela crise do Judiciário, se centenas de milhares de mandados de prisão estão por serem cumpridos e se o sistema penitenciário é insuficiente, está em frangalhos, não existe e as prisões, em vez de regenerar, são depósitos de presos e escolas de atrocidades?
E bombardeia-se a sociedade pedindo penas mais severas e repressão maior. E todo dia estende-se mais a denominação de crime hediondo, como se isso fosse meio de inibir qualquer crime, quando todos sabem que nada funciona, nem atemoriza, nem inibe.
O sistema penal faliu, acabou. As leis que fizemos protegem os presos e desprezam as vítimas, e não há meios de corrigir nem reprimir o crime. Hoje, a preferência é o combate aos crimes que dão notícia na imprensa, e não aos que ameaçam a sociedade.
São uma ignomínia as prisões brasileiras. Para combater a violência, são necessárias prisões dignas e justiça célere. Se rápido não fizermos isso, o tráfico e o terror levarão o país a um trágico encontro, ou melhor, confronto.
Graças a Deus, não temos sibilas a consultar, senão elas poderiam nos encher de medo e de previsões, matando a ilusão do doce jeito de ser brasileiro, com a cultura da alegria e da cordialidade.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br


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