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FERNANDO GABEIRA
Saudades do Brasil
CHAMA-SE Burle Marx o edifício onde moro em Brasília.
Gosto de ver o nome inscrito
na placa de bronze. Conforta-me a
lembrança de uma pessoa interessante. Escrevi um longo artigo sobre sua vida, almocei em sua casa,
viajamos juntos para Minas, onde
criou um belo espaço.
Quando penso nele, uma outra
figura me vem à mente. Cabelos e
bigodes brancos, eu o conheci num
vôo da Amazônia. Era um jovem
repórter, e Noel Nutels, esse é seu
nome, falou de seu trabalho, do
pulmão dos índios que tentava proteger da tuberculose. Minha cabeça deu voltas, foi um grande estímulo.
Trouxe para o Burle Marx um
documentário sobre a bossa nova.
Lembrei-me de Tom Jobim, suas
conversas sobre pássaros, percebi
que estava ficando nostálgico.
Se vivesse fora do Brasil, num
exílio, talvez me desculpasse. Seria
a quantidade de canalhas por quilômetro quadrado que me empurra para o passado? Mas sempre
existiram. Basta que se leia Nelson
Rodrigues.
Não sou tão estúpido a ponto de
pensar que hoje não existem pessoas como aquelas. Simplesmente
não aparecem para mim. Depois de
tantos anos, minguaram as ilusões.
Quando saímos, havia prosperidade e medo, uma combinação que
fortalecia o governo. O slogan da
época: ame-o ou deixe-o.
Hoje há prosperidade, um clima
de adesão cheia de expectativas, do
tipo "também sou filho de Deus".
No lugar do autoritário slogan da
ditadura, a metáfora se desloca do
espaço nacional para as glândulas
salivares. Do ame-o ou deixe-o para o engula ou cuspa, um roteiro de
dilemas.
Não há mais um ditador apontando o caminho do exílio. Apenas
alguém que não se conforma com a
incompreensão: os vilões precisam, agora, reconhecer a beleza da
gata borralheira.
Oswaldo Cruz não inventou um
remédio para a febre amarela. Mas
enfrentou o senso comum ao proteger o povo contra a varíola. E
contemplava o mangue, escuro e
lamacento, do alto de um imponente castelo.
Nas atuais circunstâncias, o dínamo se desloca do futuro para o
passado. Num imenso cemitério
vertical, onde os andares são camadas do tempo, visito os mortos,
canto: "ah, se a juventude que essa
brisa canta/ficasse aqui comigo
mais um pouco...".
Outros não reagem assim. Um
amigo assiste ao filme "300" e escreve um bilhete: melhor, combateremos à sombra. Como estão distantes as fases heróicas, limito-me
a responder: tudo bem, mas vamos
combater sem a crase.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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