São Paulo, sábado, 19 de maio de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Banco Central deve continuar intervindo para conter a queda do dólar?

NÃO

Câmbio e intervenções

CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES

NESTA SEMANA, a taxa de câmbio, seguindo seu curso quase ininterrupto de apreciação, rompeu o patamar psicológico de R$/US$ 2. Foi a gota d'água para que o tema, em geral restrito aos cadernos de economia, passasse às primeiras páginas dos jornais. O que explica esse movimento? Deve a autoridade monetária continuar intervindo nos mercados, comprando enormes quantidades de dólares, como tem feito no período recente?
Antes de tudo, vejamos o que explica a apreciação -que, vale lembrar, não é de hoje. O argumento que mais se ouve é que o câmbio apreciado é mero reflexo de juros domésticos bem mais altos que os internacionais.
A apreciação seria então "ruim" ou artificialmente causada pela política monetária conservadora.
Essa explicação é, no mínimo, incompleta. Se o alto juro interno fosse realmente o fator-chave, como explicar que já há muito tempo ele só declina e, ainda assim, o real segue incólume na sua trajetória de apreciação? Em artigo acadêmico recente ("Monetary Policy and the Exchange Rate in Brazil") que analisa com o ferramental estatístico apropriado a relação entre juros e câmbio, eu e o professor Bernardo Guimarães mostramos que, nos últimos anos, nossa moeda geralmente se apreciou após cortes de juros maiores que os previamente esperados pelos mercados, e não o contrário. Uma possível explicação para esse resultado está no fato de juros mais baixos fortalecerem a situação fiscal do país.
Mas, se não os juros, o que, então?
Os fatores pró-apreciação são vários: preços altos dos bens que exportamos; crescimento da economia mundial acima do doméstico, impulsionando nossas exportações líquidas; liquidez abundante no mundo e aversão global ao risco moderada; além de expressiva melhora dos fundamentos econômicos, principalmente daqueles relacionados a nossa capacidade de honrar compromissos financeiros.
De fato, a feição da economia brasileira mudou para melhor. Com saldos gordos na balança comercial, cerca de US$ 125 bilhões de reservas cambiais e uma dívida externa cada vez menor, o país virou um lugar menos arriscado para os investidores estrangeiros e, portanto, o câmbio que os economistas chamam de "câmbio de equilíbrio" é agora outro, mais apreciado. Em síntese, o fortalecimento da moeda é devido, em boa medida, a melhorias concretas da economia real.
Mas é verdade também que alguns dos fatores, como a pujança da economia mundial e a liquidez internacional, podem ter caráter passageiro e, sendo assim, parte da apreciação do real que vemos hoje não deverá ser duradoura. Não sendo totalmente duradoura, faz, sim, sentido isolar os impactos negativos dessa parte excessiva da apreciação cambial sobre alguns setores da economia. Mas, como?
Continuar comprando dólares, como a autoridade monetária vem fazendo vorazmente, não me soa a melhor alternativa, por dois motivos: a evidência empírica existente não comprova a eficiência dessa estratégia e, mais importante, ela é muito custosa em termos fiscais, pois, quando o BC compra dólares, ele ao mesmo tempo emite dívida pública para enxugar a liquidez resultante, terminando com dólares remunerados à baixa taxa de juro internacional, e uma dívida interna mais elevada, pagando juros elevadíssimos.
Se ainda tivéssemos baixo nível de reservas, como era o caso no primeiro governo Lula, seria defensável uma política de comprar dólares com vistas a fortalecer a posição financeira do país. Mas, no atual nível, não.
O ideal seria aproveitar para diminuir as tarifas de importação, e não o contrário, como o governo vem preconizando. Ao reduzir a proteção tarifária, o governo incentivaria as importações -logo, a demanda por dólares. Mais demanda por dólares significa real mais depreciado e, portanto, algum alívio para os exportadores.
Mesmo desconsiderando o impacto de uma redução de tarifas sobre o câmbio, ela em si é algo desejável. São as importações que forçam as empresas domésticas a serem competitivas e é por meio delas que o produtor doméstico se familiariza com novidades tecnológicas, que vêm embutidas nos bens que chegam de fora. Além disso, a importação de bens intermediários e de capital mais baratos e de melhor qualidade aumentam a produtividade do setor de bens finais.


CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES, doutor em economia, é professor de macroeconomia e vice-coordenador do programa de pós-graduação da Faculdade de Economia e Administração da USP.

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