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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Banco Central deve continuar intervindo para conter a queda do dólar?
NÃO
Câmbio e intervenções
CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES
NESTA SEMANA, a taxa de câmbio, seguindo seu curso quase
ininterrupto de apreciação,
rompeu o patamar psicológico de
R$/US$ 2. Foi a gota d'água para que
o tema, em geral restrito aos cadernos
de economia, passasse às primeiras
páginas dos jornais. O que explica esse movimento? Deve a autoridade
monetária continuar intervindo nos
mercados, comprando enormes
quantidades de dólares, como tem
feito no período recente?
Antes de tudo, vejamos o que explica a apreciação -que, vale lembrar,
não é de hoje. O argumento que mais
se ouve é que o câmbio apreciado é
mero reflexo de juros domésticos
bem mais altos que os internacionais.
A apreciação seria então "ruim" ou
artificialmente causada pela política
monetária conservadora.
Essa explicação é, no mínimo, incompleta. Se o alto juro interno fosse
realmente o fator-chave, como explicar que já há muito tempo ele só declina e, ainda assim, o real segue incólume na sua trajetória de apreciação?
Em artigo acadêmico recente
("Monetary Policy and the Exchange
Rate in Brazil") que analisa com o ferramental estatístico apropriado a relação entre juros e câmbio, eu e o professor Bernardo Guimarães mostramos que, nos últimos anos, nossa
moeda geralmente se apreciou após
cortes de juros maiores que os previamente esperados pelos mercados, e
não o contrário. Uma possível explicação para esse resultado está no fato
de juros mais baixos fortalecerem a
situação fiscal do país.
Mas, se não os juros, o que, então?
Os fatores pró-apreciação são vários:
preços altos dos bens que exportamos; crescimento da economia mundial acima do doméstico, impulsionando nossas exportações líquidas; liquidez abundante no mundo e aversão global ao risco moderada; além de
expressiva melhora dos fundamentos
econômicos, principalmente daqueles relacionados a nossa capacidade
de honrar compromissos financeiros.
De fato, a feição da economia brasileira mudou para melhor. Com saldos
gordos na balança comercial, cerca de
US$ 125 bilhões de reservas cambiais
e uma dívida externa cada vez menor,
o país virou um lugar menos arriscado para os investidores estrangeiros
e, portanto, o câmbio que os economistas chamam de "câmbio de equilíbrio" é agora outro, mais apreciado.
Em síntese, o fortalecimento da moeda é devido, em boa medida, a melhorias concretas da economia real.
Mas é verdade também que alguns
dos fatores, como a pujança da economia mundial e a liquidez internacional, podem ter caráter passageiro e,
sendo assim, parte da apreciação do
real que vemos hoje não deverá ser
duradoura. Não sendo totalmente duradoura, faz, sim, sentido isolar os impactos negativos dessa parte excessiva da apreciação cambial sobre alguns
setores da economia. Mas, como?
Continuar comprando dólares, como a autoridade monetária vem fazendo vorazmente, não me soa a melhor alternativa, por dois motivos: a
evidência empírica existente não
comprova a eficiência dessa estratégia e, mais importante, ela é muito
custosa em termos fiscais, pois, quando o BC compra dólares, ele ao mesmo tempo emite dívida pública para
enxugar a liquidez resultante, terminando com dólares remunerados à
baixa taxa de juro internacional, e
uma dívida interna mais elevada, pagando juros elevadíssimos.
Se ainda tivéssemos baixo nível de
reservas, como era o caso no primeiro
governo Lula, seria defensável uma
política de comprar dólares com vistas a fortalecer a posição financeira
do país. Mas, no atual nível, não.
O ideal seria aproveitar para diminuir as tarifas de importação, e não o
contrário, como o governo vem preconizando. Ao reduzir a proteção tarifária, o governo incentivaria as importações -logo, a demanda por dólares. Mais demanda por dólares significa real mais depreciado e, portanto, algum alívio para os exportadores.
Mesmo desconsiderando o impacto de uma redução de tarifas sobre o
câmbio, ela em si é algo desejável. São
as importações que forçam as empresas domésticas a serem competitivas
e é por meio delas que o produtor doméstico se familiariza com novidades
tecnológicas, que vêm embutidas nos
bens que chegam de fora. Além disso,
a importação de bens intermediários
e de capital mais baratos e de melhor
qualidade aumentam a produtividade
do setor de bens finais.
CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES, doutor em
economia, é professor de macroeconomia e vice-coordenador do programa de pós-graduação da Faculdade de
Economia e Administração da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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