|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUIZ FERNANDO VIANNA
Babaçuais ondulantes
RIO DE JANEIRO - "O Maranhão
não suportava mais nem queria o
contraste de suas terras férteis, de
seus vales úmidos, de seus babaçuais ondulantes, de suas fabulosas
riquezas potenciais com a miséria,
com a angústia, com a fome, com o
desespero das ruínas que não levam
a lugar nenhum, senão ao estágio
em que o homem de carne e osso é o
bicho de carne e osso."
Estas palavras soam atuais diante
das imagens e dos números terríveis das enchentes no Maranhão.
Mas elas foram ditas por José Sarney há 43 anos. Destacam-se no discurso que ele fez para a multidão no
dia de sua posse como governador
do Estado. Estão registradas no
curta-metragem "Maranhão 66",
de Glauber Rocha.
O filme tem cenas ambíguas -ao
menos aos olhos de hoje. Enquanto
Sarney discursa, aparecem homens
tuberculosos, crianças bebendo
água podre, famílias miseráveis e
casas feitas de barro, semelhantes
às que a TV continua mostrando.
Amigo de Sarney, Glauber poderia até querer mostrar o Maranhão
que ficaria para trás com a posse do
jovem (36 anos) político. Mas as
imagens sobreviveram como documento do que não muda no Maranhão, no Nordeste, no Brasil. As
chuvas podem ser culpa do aquecimento global, do acaso, do mau humor de são Pedro. Mas seus efeitos
são de responsabilidade humana,
demasiado humana.
Quatro décadas depois, um (uma,
no caso) Sarney está novamente governando o Estado. Nova chance
para o discurso de 1966 começar a
ficar, enfim, obsoleto.
"O Maranhão não quer mais a coletoria como uma caixa privada a
angariar dízimos inexistentes para
inexistentes arcas reais, que não
são inexistentes, porque se podem
pronunciar os nomes dos beneficiários e identificá-los ao longo desses
anos de corrupção."
Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: O drible do elástico Próximo Texto: Marcos Nobre: Nota de corte Índice
|