São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010

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O acordo

Entendimento com Irã não é garantia contra bomba, e o mesmo se pode dizer sobre sanções defendidas pelos EUA

É FATO QUE o acordo anunciado pelos governos de Turquia, Brasil e Irã não impede o país persa de desenvolver um programa clandestino de enriquecimento de urânio que o capacite um dia a produzir um artefato nuclear.
É forçoso reconhecer ainda que o agravamento de sanções econômicas, como querem os EUA e a Europa, tampouco é uma garantia de que os iranianos abandonarão a tentativa de ingressar no clube nuclear, formado por Índia, Paquistão, Israel, China, Coreia do Norte, EUA, Rússia, França e Reino Unido.
Novas punições aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas talvez até mesmo gerem o efeito contrário. Poderão auxiliar o regime iraniano a seguir em sua estratégia de união nacional contra pressões consideradas indevidas e injustas por parte de países do Ocidente.
Essa tradicional linha política reforça-se, no caso, com a assimétrica presença dos EUA na região, marcada por intervenções militares unilaterais e apoio incondicional ao Estado de Israel.
A visita de Lula ao Irã, que esta Folha viu com profundo ceticismo, considerando-a desaconselhável, não engendrou a solução final para a crise -algo que nem mesmo os otimistas acreditavam possível. O entendimento também não se mostrou forte o bastante para bloquear a discussão das sanções no âmbito do CS, o que constituiria um objetivo bem mais realista.
Mas essas considerações não impedem que se avaliem como positivas as gestões do presidente brasileiro e de seu colega turco. A atuação de Lula e Recep Tayyip Erdogan merece elogios. De maneira inédita conseguiram obter do Irã a assinatura de um compromisso diplomático -o que muitos julgavam impossível.
Ao fazê-lo, os dois líderes demonstraram que a política internacional pode evoluir na direção de processos decisórios menos polarizados e menos concentrados nas potências tradicionais.
Está certo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao chamar atenção para o fato de ter-se logrado um acordo quase idêntico ao que havia sido proposto, em outubro passado, pela Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) -o que em tese deveria ser suficiente para estancar a votação das sanções.
Mas ainda que tenha sido assim, o comportamento pregresso do regime iraniano minou sua própria credibilidade. Os espetáculos racistas e belicosos patrocinados por Mahmoud Ahmadinejad, que negou o Holocausto e propôs riscar Israel do mapa, não foram esquecidos. E a sistemática recusa do país a se submeter à ONU e a agir com transparência em seu programa nuclear chegou a um ponto sem volta.
Nesse jogo que parece não ter fim, tudo se passa como se as potências e o governo do Irã soubessem que a construção da bomba é uma questão de tempo. Difícil é precisar quando isso acontecerá -e se, antes, o mundo não assistirá a novos conflitos militares no Oriente Médio.


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