São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Mercado inquieto

As incertezas e a consequente volatilidade que se abateram sobre o mercado financeiro nas últimas semanas têm múltiplas causas, às quais não são estranhas as dificuldades de financiamento da dívida pública. Certamente a operação "casada" LFT e "swap" cambial não produziu o resultado esperado (a redução permanente do custo da dívida), mas introduziu um desequilíbrio no mercado. Este, por sua vez, levou o Banco Central a exigir a imediata marcação pelo mercado dos fundos, o que aumentou o deságio do papel e impôs sérios prejuízos aos bancos. A decisão foi correta, porque a experiência mostra que, cada vez que se cria uma oportunidade, os espertos (que são os "experts") tungam os investidores honestos.
Mas há também outros motivos: o crescimento do PIB será pequeno, e não há muito espaço para uma redução substancial da taxa de juro real, dois fatores que aumentam a preocupação dos credores em relação a uma dívida interna líquida da ordem de 55% do PIB. A primeira estimativa de variação do PIB entre o primeiro trimestre de 2001 e o mesmo período de 2002 foi de uma queda da ordem de 0,73%. Em 2001, houve um aumento importante no segundo trimestre em relação ao primeiro (3,1%), mas o quarto trimestre (revelando as consequências da barbeiragem energética) registrou uma queda de 3,4%.
O que se pode esperar do PIB de 2002 diante das dificuldades de financiamento da dívida, da flutuação do dólar, do nível de juros e das incertezas eleitorais? É muito difícil dizer, porque, a rigor, nenhuma previsão tem fundamento pelo simples fato de que as séries de tempo não costumam contar histórias em que o futuro está escondido no passado à espera de ser encontrado. Pode-se, entretanto, formular algumas hipóteses heróicas e verificar o que acontece. A tabela abaixo simula o crescimento do PIB para cada trimestre de 2002 em relação ao seu homólogo de 2001.

Para chegar a 2,5% de crescimento do PIB em 2002, seria preciso encontrar a economia rodando a 6% no final do ano quando comparada com 2001. Não é impossível, mas parece altamente improvável.
E, com relação à taxa de juro real, o que se pode esperar? Hoje, estamos com 18,5% de taxa Selic, e a "expectativa de inflação" é de 6%, o que nos deixa com uma taxa real da ordem de 12%. Se ela for reduzida a 16% e se a inflação caminhar para os 5,5% estimados, teremos uma taxa de 10%.
Ora, um crescimento real do PIB de 2% e uma taxa real de juro de 10% sugerem que, para manter a relação dívida pública líquida/PIB em 55%, precisaremos de mais de 4% de superávit primário, o que é altamente improvável. É isso o que perturba o credor, que entra em pânico quando ouve falar em "alongamento da dívida" -mesmo quando feito com política "amiga do mercado". Tal alongamento estava sendo bem-feito, mas foi agora perdido por culpa do "terrorismo" político feito pelo próprio governo.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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