São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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JOSÉ SARNEY

Crônica de uma transição anunciada

O presidente Fernando Henrique acabou cedo o mandato. As dificuldades orçamentárias e as metas fiscais impostas pelo FMI determinaram a paralisação da administração pública. A eleição fez o resto. O governo vive de saraus oratórios no Planalto, lançando programas.
A nota do Ministério do Exército, publicada no dia 12 deste mês, é um retrato de como se liquidou o país. A dramática situação das Forças Armadas enche de vergonha o Brasil. O país, que diz ser exemplo de riqueza, pujança e estabilidade, nunca esteve tão instável e vulnerável. Não pode mais nem recrutar jovens para o serviço militar.
O Exército reduz os dias e horas de trabalho nos quartéis, suspende o pagamento do auxílio-transporte e do auxílio pré-escolar para os militares. Os recrutas, quando deixam a tropa, têm de devolver botinas, fardas, toalhas -tudo para uso dos novos que ingressam. Saem de pés descalços e magoados com a situação do país. Isso, como diz o íntegro jornalista Boris Casoy, "é uma vergonha".
A situação tornou-se tão crítica que o comandante da força terrestre suspendeu as comemorações do Dia do Soldado (25 de Agosto) e do Dia da Independência (7 de Setembro). A data nacional, se a situação permanecer, será um pelotão de porta-bandeira, um toque de silêncio e o retrato de um Brasil liquidado.
Alerta o general Gleuber Vieira que unidades podem ser desativadas.
Criou-se uma mentalidade jurássica no país -felizmente restrita- contra as Forças Armadas, julgadas sob o ângulo de dispensáveis. Até no governo essa mentalidade pontifica. Agrega-se a essa visão os ressentimentos de 1964.
A Revolução de 64, como a de 1922 e a 1930, a Revolta da Armada, o Estado Novo de Vargas são páginas viradas que pertencem ao passado.
A instituição, o Exército brasileiro, a quem o país tanto deve, coberto do respeito mundial, a única tropa sul-americana a lutar pela liberdade na Segunda Guerra Mundial, não pode ser vítima desse tratamento discriminatório. O que se deve condenar é o militarismo, repito, a agregação de poder político ao poder militar, que já desapareceu do Brasil.
A transição democrática foi feita com os militares e não contra os militares, que estão voltados para o profissionalismo, com uma posição correta e digna.
Sitiá-los, para que se enfraqueçam por falta de suprimentos e recursos, é trabalhar contra o Brasil, contra a pátria. Um país de Forças Armadas fracas é um país fraco. Não tem voz, não tem respeito.
Mas o governo, também, dá mostra de que acabou quando inicia a transição. A convocação do deputado Aloizio Mercadante pelo presidente do Banco Central para discutirem as medidas de passagem do poder é a maior confissão de derrota.
Para consertar essa chamada a Mercadante, Armínio Fraga convidou também Ciro (já em segundo nas pesquisas) e (sic) José Aníbal!
A conversa já se sabe. Ciro diz: "Armínio, veja o atoleiro em que vocês jogaram o Brasil". Mercadante: "Fique tranquilo, Lula não vai prender ninguém". E José Aníbal: "Armínio, não sei por que estou aqui. Está na hora de vaca não conhecer bezerro, como dizia o Vitorino Freire. O FHC vai dar aulas em Paris. E nós?"


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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