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CARLOS HEITOR CONY
Armas e ratos
RIO DE JANEIRO - A idéia está no ar, e acho até que, em alguns Estados ou
municípios, pretendem colocá-la em
prática, comprando armas da população, se não me engano, a preço único. O cidadão consciente que quiser
colaborar na campanha contra a violência e dispuser de uma arma procurará uma autoridade responsável e a
venderá.
Com isso, acredita-se que a onda de
crimes diminuirá ou, na hipótese
mais otimista, acabará. Ledo e ivo
engano. Já tivemos no passado experiência parecida e mais bem-sucedida. Peste bubônica e febre amarela
grassavam no Rio, era urgente um
saneamento radical, os navios ficavam de quarentena, fundeados na
baía, nosso porto era temido, só vinha para cá quem não tinha outra
opção de vida ou trabalho.
Oswaldo Cruz combateu a febre
amarela com os guarda-mosquitos,
um exército uniformizado, com uma
bandeirinha amarela no ombro, que
ia de casa em casa jogar creolina nos
vasos sanitários e onde houvesse
água parada. Demorou mas deu resultado.
Quanto à febre bubônica, Oswaldo
Cruz apelou para que a população
caçasse ratos onde ratos houvesse. A
Saúde Pública pagava, parece, um
vintém por cabeça.
Na verdade, não foram os mata-mosquitos que acabaram com a febre
amarela, nem os ratos vendidos a
vintém que acabaram com a bubônica. Foi a população que aprendeu,
aos poucos, a cuidar da higiene da cidade, evitando águas empoçadas,
limpando porões e esgotos, adquirindo hábitos de limpeza e profilaxia. As
medidas propostas por Oswaldo Cruz
serviram apenas para detonar a
campanha, conscientizando a sociedade dos perigos de que mosquitos e
ratos eram portadores.
Do mesmo modo, comprar armas
avulsas da população será inútil se a
sociedade não se mobilizar contra a
violência. Evidente que os fuzis sofisticados em poder dos criminosos não
serão vendidos a preço de banana.
Levada ao limite, a idéia criará uma
situação ideal para o crime organizado: bandidos superequipados contra
cidadãos indefesos.
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