São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Armas e ratos

RIO DE JANEIRO - A idéia está no ar, e acho até que, em alguns Estados ou municípios, pretendem colocá-la em prática, comprando armas da população, se não me engano, a preço único. O cidadão consciente que quiser colaborar na campanha contra a violência e dispuser de uma arma procurará uma autoridade responsável e a venderá.
Com isso, acredita-se que a onda de crimes diminuirá ou, na hipótese mais otimista, acabará. Ledo e ivo engano. Já tivemos no passado experiência parecida e mais bem-sucedida. Peste bubônica e febre amarela grassavam no Rio, era urgente um saneamento radical, os navios ficavam de quarentena, fundeados na baía, nosso porto era temido, só vinha para cá quem não tinha outra opção de vida ou trabalho.
Oswaldo Cruz combateu a febre amarela com os guarda-mosquitos, um exército uniformizado, com uma bandeirinha amarela no ombro, que ia de casa em casa jogar creolina nos vasos sanitários e onde houvesse água parada. Demorou mas deu resultado.
Quanto à febre bubônica, Oswaldo Cruz apelou para que a população caçasse ratos onde ratos houvesse. A Saúde Pública pagava, parece, um vintém por cabeça.
Na verdade, não foram os mata-mosquitos que acabaram com a febre amarela, nem os ratos vendidos a vintém que acabaram com a bubônica. Foi a população que aprendeu, aos poucos, a cuidar da higiene da cidade, evitando águas empoçadas, limpando porões e esgotos, adquirindo hábitos de limpeza e profilaxia. As medidas propostas por Oswaldo Cruz serviram apenas para detonar a campanha, conscientizando a sociedade dos perigos de que mosquitos e ratos eram portadores.
Do mesmo modo, comprar armas avulsas da população será inútil se a sociedade não se mobilizar contra a violência. Evidente que os fuzis sofisticados em poder dos criminosos não serão vendidos a preço de banana. Levada ao limite, a idéia criará uma situação ideal para o crime organizado: bandidos superequipados contra cidadãos indefesos.


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