São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Hora de retaliar


Brasil deveria impor barreiras em resposta a ação desleal de comércio da Argentina, a fim de induzi-la a negociar

CHEGOU O momento de o governo Lula mudar de atitude na relação com a Argentina, principal sócio no Mercosul e terceiro maior parceiro comercial do Brasil. O simbólico déficit comercial (US$ 48 milhões) com o país vizinho no primeiro semestre de 2009, depois de cinco anos de superávits, é apenas o sintoma mais aparente, nem de longe o mais importante, do impasse no projeto de integração do Cone Sul.
O resultado foi em grande medida consequência da política recente da Argentina, que aumentou os entraves a importações para tentar atenuar os maus resultados das empresas locais diante da crise mundial. Diversos itens foram incluídos em regime de licenças não automáticas de importação, política que atingiu diretamente uma série de produtos de origem brasileira.
A adoção unilateral de medidas protecionistas num cenário de dificuldades pode fazer parte do jogo, mas o efeito final da estratégia argentina tem sido um claro desvio do comércio em favor dos produtores chineses. Há vários indícios de que o Brasil perdeu espaço relativo para a China no comércio bilateral com a Argentina -dadas as práticas comerciais agressivas de redução de preços e facilidades de financiamento de concorrentes chineses.
Até aqui, o governo brasileiro adotou uma posição tolerante com o parceiro vizinho, em nome justamente do projeto permanente de preservar o Mercosul, estratégia referendada por esta Folha em diversas ocasiões. Contudo, a integração comercial do Cone Sul depende de um entendimento mínimo com relação a determinadas práticas e da existência de uma base de negociação sobre a qual as decisões são tomadas. São requisitos fundamentais para que o Mercosul possa ser visto como gerador de ganhos, se não imediatos, pelo menos futuros.
Vale lembrar que as chances de obtenção de avanços duradouros na relação bilateral estão em boa medida vinculadas à capacidade do país vizinho de aumentar a produtividade de sua economia. Para isso, é necessário que a Argentina crie um ambiente institucional e macroeconômico favorável aos empreendimentos domésticos e atrativo aos investimentos estrangeiros.
Nesse terreno crucial, as ações do governo argentino dificilmente poderiam ser piores. Os indícios de manipulação da inflação oficial e do PIB são apenas as manifestações mais insólitas de um mal crônico. Já há tempos não se vislumbram, nas atitudes do governo argentino, medidas que inspirem a confiança de investidores, em nome das quais seria justo manter, da parte do Brasil, a atitude de tolerância.
Diante desse cenário, a adoção de barreiras comerciais que possam ao menos ameaçar as vendas argentinas ao Brasil, semelhantes às que vêm sendo adotadas por Buenos Aires, se apresenta como um imperativo, a fim de convencer o parceiro a negociar e a rever suas atitudes. Por contraditório que possa parecer, trilhar esse caminho agora é o modo adequado de tentar manter no horizonte o difícil e tortuoso projeto de integração comercial no Cone Sul.


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