|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Casamento gay
Não foi das mais tranquilas a
aprovação, pelo Senado argentino, da mudança no Código Civil
que autoriza a realização do casamento entre homossexuais. Um
dia antes da votação, estimava-se
informalmente que 31 senadores
defenderiam a medida, contra
igual número de refratários à inovação. O resultado, após 14 horas
de debate, foi de 33 votos a favor,
27 contra e três abstenções.
Manifestações de apoio e de repúdio se alternaram em Buenos
Aires; o debate ganhou notas enfáticas quando o arcebispo da capital, cardeal Jorge Bergoglio, advertiu que não estava em jogo "um
mero projeto legislativo, e sim
uma jogada do Pai da Mentira para confundir e enganar os filhos de
Deus". Ao que a presidente Cristina Kirchner reagiu, dizendo que a
frase "lembrava realmente os tempos da Inquisição".
De uma perspectiva leiga, parecem sem dúvida exageradas as
reações a um ordenamento de relações humanas que se localiza
estritamente na ordem da vida privada, e que busca apenas no reconhecimento por parte do Estado, e
não de uma instituição religiosa, a
solução para uma série de problemas. Questões de herança e planos de saúde, por exemplo, afetam o cotidiano de uma parcela
ainda sujeita a formas odiosas de
discriminação. Menos do que se
contrapor ao casamento gay, parece ser na verdade contra o próprio homossexualismo que se insurgem os mais exaltados.
A Argentina consegue superar,
assim, uma forma de discriminação, ou no mínimo um tabu, que
ainda persiste em muitos países
democráticos. Entre eles, como se
sabe, o Brasil -onde nem sequer a
ideia de uma união civil homossexual consegue vencer os temores e
o conformismo da maioria das lideranças políticas.
Curiosamente, países onde se
imagina ser mais forte do que aqui
a influência do clero -como Portugal, Espanha e a própria Argentina- foram mais rápidos em
aprovar o casamento homossexual do que uma nação supostamente liberal em termos de costumes, como o Brasil.
O elogio da informalidade, a indiferença pelas formas jurídicas,
tantas vezes presentes nos discursos apologéticos sobre o país, esconde aqui um lastro de timidez e
subserviência ao preconceito que
cobra, de muitos casais de homens e mulheres, o preço de dificuldades na vida prática e de uma
semiclandestinidade no mundo
legal sem nenhuma justificativa,
exceto o obscurantismo religioso.
Texto Anterior: Editoriais: Veloz e custoso Próximo Texto: São Paulo - Fernando de Barros e Silva: Monstros políticos Índice
|