São Paulo, terça-feira, 19 de julho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Contratos e corações abertos

JOSÉ POLICE NETO


A Câmara Municipal de São Paulo, seguindo princípios éticos, já disponibiliza bases de dados e de informações não sigilosas em formato aberto


Se contar, ninguém acredita. Por isso, não conto, simplesmente convoco os cidadãos paulistanos -e de outras latitudes que queiram absorver o exemplo- a visitar o portal da Câmara Municipal de São Paulo (www.camara.sp.gov.br) e a ver com seus próprios olhos a novidade: íntegra dos contratos e gastos da nossa Câmara são revelados pelo mais ousado e revolucionário sistema de dados e contratos abertos já implantado pela administração pública brasileira.
O sistema de dados abertos da Câmara Municipal de São Paulo foi sugerido por um grupo de jovens do movimento Transparência Hacker que estudavam a evolução desse sistema na Europa e nos EUA, onde ele tem se revelado um mecanismo capaz de revirar as vísceras das gestões públicas e instalar transparência onde antes havia apenas sombras.
No Brasil, ele pode ser a redenção dos Parlamentos, acossados por cobranças de transparência.
Um mês depois da instalação, os primeiros contratos e seus custos já estão expostos no portal da Câmara. Cumpre-se, assim, o objetivo de disponibilizar bases de dados e de informações não sigilosas em formato aberto, seguindo princípios éticos da administração pública e atendendo a recomendações aceitas universalmente, como as emitidas pela Open Knowledge Foundation e pelo World Wide Web Consortium (W3C).
Por que, exatamente, o sistema de dados abertos gera mais confiabilidade e transparência para as instituições públicas?
Simples: porque ele fornece informações e números que qualquer cidadão pode utilizar, reutilizar, manusear, cruzar e distribuir livremente, com uma mínima e única ressalva: a exigência de atribuição e compartilhamento.
O sistema de dados abertos tem um irmão gêmeo, o sistema de contratos abertos, que revela a íntegra dos contratos firmados pela Câmara, seus anexos e pareceres.
E mais: revela, pela primeira vez na administração pública brasileira, as composições de custos das empresas contratadas e links para os empenhos liquidados (por enquanto, exibe os contratos da área de comunicação, mas logo mostrará todos eles).
A partir de agora, qualquer cidadão poderá se tornar um pleno fiscal da Câmara, destrinchar as votações da Casa, conhecer o voto de cada edil, examinar suas dotações orçamentárias (e as da Secretaria Municipal de Educação, que pegou carona nessa magnífica ideia).
Informações e números são apresentados em linguagem-padrão de dados abertos (o formato XML), exatamente para permitir que seus usuários possam fazer imediatos e infinitos cruzamentos.
Não é só. Todas as reuniões, nos seis auditórios da Casa -inclusive no Plenário e nas reuniões da Mesa Diretora-, são monitoradas por câmeras de segurança e transmitidas ao vivo via portal ou pela TV Câmara. Nelas, não há segredos. Pode ser que nem todos considerem uma reunião dessas um excitante programa de TV, mas ninguém pode mais dizer que não há sincera e cristalina transparência.
Algumas pessoas objetaram o eventual mau uso do sistema a partir da exposição franca e aberta de dados secularmente omitidos pelas administrações públicas.
De fato, se pinçado, um determinado dado pode ser potencializado maliciosamente por malfeitores da política. Mas é preciso abrir o coração e correr o risco; senão, não mudamos os maus hábitos dos Parlamentos brasileiros; senão, não mudamos o Brasil.

JOSÉ POLICE NETO, pesquisador social, é vereador sem partido e presidente da Câmara Municipal de São Paulo

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