São Paulo, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

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Debate empoeirado

Governo federal e banqueiros se enredam em bate-boca politizado e contraproducente sobre o nível do "spread"

A CONTROVÉRSIA sobre "spreads" bancários no Brasil é um desses casos em que todos gritam e ninguém tem razão, embora não se possa dizer que falte pão. As taxas de juros no mercado nacional permanecem entre as mais altas do mundo, engordadas pela diferença entre o custo do dinheiro tomado e o do emprestado pelos bancos.
Governo federal e banqueiros privados se digladiam em torno da variável financeira como se fosse o Santo Graal. Produzem, com isso, mais poeira para turvar um ambiente econômico já tumultuado pela crise financeira. Ganhariam todos se deixassem de tratá-la como artigo de fé.
No centro da contenda está a mobilização do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para combater os efeitos da crise. Sob comando do Planalto, e na contramão de seus concorrentes, ambos ampliaram a oferta de crédito com taxas de juros abaixo do padrão de mercado.
Aumentaram, assim, sua participação. A Caixa, por exemplo, viu a carteira de crédito para pessoas físicas crescer 49,3%, contra 19,3% da média geral.
Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, considera "insustentáveis" os "spreads" praticados pelos bancos públicos. Fábio Barbosa, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), predisse que a ampliação do crédito piorará sua qualidade, porque a incorporação de novos clientes elevaria a inadimplência, forçando a manutenção de "spreads" elevados.
São manifestações típicas de quem se habituou a um ambiente de concorrência rarefeita e à supervisão de um Banco Central condescendente. Não é possível ainda prever o efeito da ampliação agressiva do crédito sobre a saúde dos bancos públicos. Por ora eles se veem forçados a aumentar provisões para cobrir a inadimplência, mas só mais no final do ano ficará claro se serão utilizadas e em que proporção.
O troco do governo foi dado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Após anúncio do lucro do Banco do Brasil no primeiro semestre, estável em relação ao mesmo intervalo de 2008, o ministro disse que os bancos privados iriam "comer poeira" se mantivessem seus "spreads". Quatro dias depois, a notícia de que o lucro da Caixa no período havia despencado 54,5% demonstrou que Mantega perdeu mais uma chance de silenciar.
Fato é que a mobilização contribuiu para atenuar os efeitos da crise e estabilizar o sistema bancário como um todo. Seis meses de aumento de vagas no mercado formal de trabalho e a previsão do FMI de que já teve início a recuperação da economia global, como anunciado ontem, reforçam a perspectiva de uma retomada dos investimentos e das exportações, o que diminui o risco de um buraco nas contas dos bancos públicos.
Cabe ao governo federal persistir no objetivo de aumentar a concorrência no setor financeiro, dosando ativismo e responsabilidade. Aos banqueiros resta dar-se conta de que prudência não se confunde com acomodação. E de ambos os lados se espera que despolitizem esse debate, que já nasceu velho.


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