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Debate empoeirado
Governo federal e banqueiros se enredam em bate-boca politizado e contraproducente sobre o nível do "spread"
A CONTROVÉRSIA sobre
"spreads" bancários no
Brasil é um desses casos em que todos gritam e ninguém tem razão, embora não se possa dizer que falte
pão. As taxas de juros no mercado nacional permanecem entre
as mais altas do mundo, engordadas pela diferença entre o custo do dinheiro tomado e o do emprestado pelos bancos.
Governo federal e banqueiros
privados se digladiam em torno
da variável financeira como se
fosse o Santo Graal. Produzem,
com isso, mais poeira para turvar
um ambiente econômico já tumultuado pela crise financeira.
Ganhariam todos se deixassem
de tratá-la como artigo de fé.
No centro da contenda está a
mobilização do Banco do Brasil e
da Caixa Econômica Federal para combater os efeitos da crise.
Sob comando do Planalto, e na
contramão de seus concorrentes, ambos ampliaram a oferta de
crédito com taxas de juros abaixo do padrão de mercado.
Aumentaram, assim, sua participação. A Caixa, por exemplo,
viu a carteira de crédito para pessoas físicas crescer 49,3%, contra
19,3% da média geral.
Roberto Setubal, presidente do
Itaú Unibanco, considera "insustentáveis" os "spreads" praticados pelos bancos públicos. Fábio
Barbosa, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), predisse que a ampliação do crédito piorará sua qualidade, porque a incorporação de
novos clientes elevaria a inadimplência, forçando a manutenção
de "spreads" elevados.
São manifestações típicas de
quem se habituou a um ambiente de concorrência rarefeita e à
supervisão de um Banco Central
condescendente. Não é possível
ainda prever o efeito da ampliação agressiva do crédito sobre a
saúde dos bancos públicos. Por
ora eles se veem forçados a aumentar provisões para cobrir a
inadimplência, mas só mais no
final do ano ficará claro se serão
utilizadas e em que proporção.
O troco do governo foi dado pelo ministro da Fazenda, Guido
Mantega. Após anúncio do lucro
do Banco do Brasil no primeiro
semestre, estável em relação ao
mesmo intervalo de 2008, o ministro disse que os bancos privados iriam "comer poeira" se
mantivessem seus "spreads".
Quatro dias depois, a notícia de
que o lucro da Caixa no período
havia despencado 54,5% demonstrou que Mantega perdeu
mais uma chance de silenciar.
Fato é que a mobilização contribuiu para atenuar os efeitos da
crise e estabilizar o sistema bancário como um todo. Seis meses
de aumento de vagas no mercado
formal de trabalho e a previsão
do FMI de que já teve início a recuperação da economia global,
como anunciado ontem, reforçam a perspectiva de uma retomada dos investimentos e das
exportações, o que diminui o risco de um buraco nas contas dos
bancos públicos.
Cabe ao governo federal persistir no objetivo de aumentar a
concorrência no setor financeiro, dosando ativismo e responsabilidade. Aos banqueiros resta
dar-se conta de que prudência
não se confunde com acomodação. E de ambos os lados se espera que despolitizem esse debate,
que já nasceu velho.
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