|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Torcedor de Pisces
RIO DE JANEIRO - O casal abraçado ao nascer do sol, de pé, envolto
num cobertor enlameado e cercado
por um mar de outros casais deitados, tornou-se o símbolo do festival
de Woodstock. A foto (de Burk Uzzle) virou capa de disco, pôster e
cartão postal e reflete o que o rapaz
e a moça deviam estar sentindo naquele momento: ternura, resignação e um pouco de frio.
Na semana passada, em função
dos 40 anos de Woodstock, Nick e
Bobbi Ercoline, os jovens da foto,
reapareceram. Têm agora 60 e tal
anos. Continuam juntos, bonitos,
liberais e, segundo eles, apaixonados. Pelo visto, não acreditaram no
amor livre que se pregava na época.
Preferiram uma união estável, careta, como a defendida por seus
pais. E esse é o problema das revoluções: seus praticantes acabam parecidos com aqueles contra quem
se rebelaram. E vice-versa.
Tive certeza disso outro dia ao
ouvir, pelo rádio do táxi em São
Paulo, dois locutores falando de
Woodstock. Nitidamente não eram
sequer nascidos em 1969, e sua cultura a respeito limita-se à internet.
Eles acreditam que o evento gerou
uma massa de pessoas purificadas,
livres das horríveis deformações
morais dos mais velhos e prontas
para a era de paz e amor que, dizia-se, bateria às portas a qualquer momento: a era de Aquarius.
Um dos locutores tinha voz de comercial de sabonete; o outro, a de
quem, aos 30 anos, ainda mora com
a mãe. Nenhum dos dois teria sobrevivido cinco minutos à chuva, à
lama, ao lixo, aos piolhos, à falta de
comida e à oferta de fumo e ácido
em Woodstock. Mas, à distância,
tudo na história se converte num
jardim de infância.
Na condição de milenar torcedor
da era de Pisces, já naquele tempo
eu torcia o nariz para essa história
de Aquarius. Mas nem precisava.
Ou Aquarius até hoje não chegou
ou, se chegou, a paz e o amor continuam na promessa.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: A mentira como imagem Próximo Texto: Sérgio Dávila: A guerra sem fim Índice
|