São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Cooptação, não

JORGE BORNHAUSEN

Fui obrigado a botar a boca no trombone em socorro a companheiros da oposição que se sentiram traídos e ameaçados.
Violentando meu estilo discreto, precisei atender apressadamente a homens e mulheres candidatos às eleições municipais de outubro e que estão, no país inteiro, desafiando os casos de corrupção e os abusos de poder do governo Lula. Eles se sentiram angustiados no fim de semana passado. Milhares de candidatos do PFL -só a prefeito são 1.700- foram enredados com a divulgação perversa de que seu partido, ou alguém dando ardilosamente essa impressão, estava negociando uma composição espúria com o governo Lula. Todos se indagavam: como é possível que o PFL, que enfrenta os abusos de poder de todo tipo por parte do PT, a começar pelo econômico, vá negociar por trás da cortina com seus desleais contendores, abandonando seus bravos e leais militantes?
Evidente que a impressão era falsa.
Às pressas, para tentar reduzir os efeitos desastrosos dessa mentira deslavada, interrompi a peregrinação que há um mês me leva pelo Brasil, de norte a sul, e fui a Brasília para desfazer a cavilosa montagem. Não, o PFL não aderiu, não capitulou, não reduziu a firmeza da sua conduta nem autorizou ninguém a fazer essa negociação pecaminosa. Principalmente, está mantida a orientação, aprovada em outubro de 2002, pelo diretório nacional, de se colocar em "oposição responsável e fiscalizadora" ao governo Lula.
Embora a reação urgente e firme tivesse se tornado indispensável, a ação do governo que lastreava o boato era primária e desprezível.


O "comandante Dirceu" decidiu substituir o defenestrado Waldomiro pelo próprio presidente da República


Na verdade, trata-se de uma manobra de cooptação partidária do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, ou "comandante Dirceu", como gosta de ser chamado, para caracterizar sua identificação com o modelo cubano de autoritarismo. Até fevereiro, o "comandante Dirceu" atuava através do fiel escudeiro, Waldomiro Diniz, seu subchefe na Casa Civil, hoje tristemente celebrizado pelas comprovadas denúncias de envolvimento com bicheiros.
Embora mantido impune, graças ao custoso arquivamento no Senado de um pedido de CPI, Waldomiro Diniz está provisoriamente fora de cena, "operando em off", como se diz em Brasília, pois detém a "memória viva" do sistema de cooptação do governo Lula. Ele tem a chave ou "o rabo preso" de muita gente que mudou de legenda para compor a chamada "base governista", e o mundo cai se ele falar.
Mas, diante da perspectiva pós-eleitoral que se forma com a previsão de duas acachapantes derrotas petistas, no Rio e em São Paulo, que tirarão boa parte do gás da reeleição de 2006, o "comandante Dirceu" decidiu substituir o defenestrado Waldomiro por ninguém mais, ninguém menos do que o próprio presidente da República, expondo-o ao lamentável papel de fomentar a infidelidade e negociar a desmoralização da oposição através de rachas e acordos por debaixo do pano.
Assim, o PFL surgiu no noticiário como sendo um partido dividido, que abandonava seus candidatos no auge da luta para preparar futuros arreglos, composições e sei lá o que com o governo. Negociações honestas e leais sobre votações do interesse do governo -o polêmico projeto das PPP, por exemplo- não eram, já que essas negociações estavam sendo realizadas com competência e cordialidade pelo líder no Senado, senador José Agripino.
Não, o governo Lula quer a cooptação. Visa atrair individualmente e com favorecimentos elementos partidários e usá-los para expor o partido à desmoralização. Para dizerem, depois, desdenhando o preço dos cooptados: "Estão vendo? Bastou um prato de lentilhas".
Por isso o governo procrastina a aprovação da reforma política, com seus quatro pontos fundamentais: a fidelidade por filiação (que condena a quatro anos sem disputar eleições quem troca de legenda); o fim das coligações nas eleições proporcionais (para salvar o eleitor do vexame de votar num partido e eleger um candidato de outro partido); a lista mista de candidatos a deputado, com 50% eleitos por indicação do eleitor e 50% por ordem da lista partidária; e o financiamento público de campanha, com o desaparecimento da figura dos PC Farias e sucedâneos.
Está dado, porém, o aviso. Ninguém está autorizado a negociar o denodo e empenho com que os candidatos do PFL, no país inteiro, estão erguendo a bandeira da oposição, conforme decisão partidária em vigor.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de governo da Presidência da República (governo Collor).


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