São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 2006

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Um peso, duas medidas

ROBERTO LUIS TROSTER

Não há paralelos no mundo de uma tributação do crédito como a que há aqui. A quase totalidade dos países isenta ou subsidia empréstimos

O ALTO custo do crédito é um peso sobre a sociedade brasileira. Toda a cadeia produtiva e de consumo padece com a situação. A solução é resolver o todo, e não só um ou outro ponto, ou setor, com ônus para os demais. Bastam duas medidas. Os ganhos seriam expressivos.
A intermediação financeira é uma ponte entre poupadores e tomadores de crédito, entre o presente e o futuro.
Quanto mais desobstruída for, mais recursos a um custo mais baixo serão canalizados. Há três obstáculos que a atravancam.
Um é o arcabouço jurídico institucional, que tem aspectos passíveis de aprimoramentos. Não é algo a ser resolvido rapidamente, mas está sendo trabalhado e poderá gerar ganhos de eficiência e competitividade a médio e longo prazo. Os outros dois são: a macroeconomia e a tributação.
O entorno macroeconômico tem sido um estorvo, porém está numa configuração singular: o nível de atividade está fraco, a taxa de juros básica está em queda e exibe o valor mais baixo em décadas e a inflação está controlada, basicamente pelo efeito do câmbio valorizado. É um quadro oportuno, que permite uma expansão vigorosa do crédito. Para tanto, é necessária uma redução expressiva de seu custo.
É factível, desde que removido o terceiro obstáculo: tributação do crédito. Não há paralelos no mundo de uma tributação do crédito como a que há aqui. A quase totalidade dos países isenta ou subsidia empréstimos. O Brasil vai no sentido oposto: em vez de cortar gastos ou de tributar quem tem disponibilidades abundantes, o governo tira recursos dos tomadores de crédito que necessitam deles para fazer frente a dificuldades temporárias de caixa, para antecipar decisões de consumo ou para investir.
Ilustrando o ponto, numa operação de intermediação ideal de um mês, com a taxa básica do Banco Central a zero, sem custos operacionais, sem lucro para o banco, sem inadimplência e com remuneração líquida nula para o investidor, em razão de contribuições e impostos (IOF, PIS, Cofins, compulsórios, CPMF, IRF e FGC), custa para o tomador de crédito 30% ao ano. Isso ocorre numa operação que não gera valor para o banco nem para o investidor. Um contra-senso.
O problema da tributação direta é agravado pela tributação indireta, os compulsórios. São recursos que os bancos devem depositar no Banco Central, e cumprem o papel de um imposto. Como a remuneração do compulsório é menor que a de mercado, existe uma renda (a diferença entre a taxa de aplicação de recursos e o custo dos compulsórios) que é apropriada pelo Banco Central e repassada ao Tesouro nacional para equilibrar o orçamento. Em outras palavras, é um imposto disfarçado que incide sobre os tomadores de crédito.
A experiência internacional mostra um uso cada vez menor do compulsório. A quase totalidade dos países já o aboliram ou o reduziram a valores ínfimos por causa da distorção de seus impactos como imposto e sua pouca racionalidade como instrumento de política monetária.
Na contramão, o Brasil possui os compulsórios mais elevados do planeta. Em 31 de julho de 2006, os depósitos compulsórios do sistema financeiro no Banco Central totalizavam R$ 154 bilhões, dos quais R$ 116 bilhões em espécie. Na mesma data, o total de crédito ao setor rural e ao habitacional, somados, era de R$ 103 bilhões. São números sem justificativa num quadro de estabilidade macroeconômica e crescimento baixo.
O resultado dessa tributação direta e indireta é a permanência do custo do crédito no patamar elevado que está. Seu caráter regressivo (os mais pobres pagam proporcionalmente mais) e recessivo é uma incongruência, um despautério.
Bastam duas medidas, uma do Ministério da Fazenda, zerando as alíquotas da tributação de operações de crédito, e outra do Banco Central, eliminando todos os compulsórios, para uma redução brusca do custo do crédito. Essas medidas induziriam forte expansão dos financiamentos e, com isso, gerariam mais investimento e consumo e, logo, mais emprego, poupança e recursos disponíveis, num círculo virtuoso que se repetiria e ampliaria. Todas as bases tributárias do governo seriam expandidas.
As duas medidas propostas tirariam a economia brasileira do marasmo em que se encontra. A expansão do crédito daria um empurrão na economia nos próximos semestres e criaria uma percepção mais otimista do futuro. Não colocariam a economia no crescimento sustentável, pois para tanto é necessário mais, mas seria um bom começo.


ROBERTO LUIS TROSTER, 55, economista, é doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) de 2001 a 2006.

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