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Um peso, duas medidas
ROBERTO LUIS TROSTER
Não há paralelos no mundo de uma tributação do crédito como a que há aqui. A quase totalidade dos países isenta ou subsidia empréstimos
O ALTO custo do crédito é um
peso sobre a sociedade brasileira. Toda a cadeia produtiva e
de consumo padece com a situação. A
solução é resolver o todo, e não só um
ou outro ponto, ou setor, com ônus
para os demais. Bastam duas medidas. Os ganhos seriam expressivos.
A intermediação financeira é uma
ponte entre poupadores e tomadores
de crédito, entre o presente e o futuro.
Quanto mais desobstruída for, mais
recursos a um custo mais baixo serão
canalizados. Há três obstáculos que a
atravancam.
Um é o arcabouço jurídico institucional, que tem aspectos passíveis de
aprimoramentos. Não é algo a ser resolvido rapidamente, mas está sendo
trabalhado e poderá gerar ganhos de
eficiência e competitividade a médio
e longo prazo. Os outros dois são: a
macroeconomia e a tributação.
O entorno macroeconômico tem sido um estorvo, porém está numa configuração singular: o nível de atividade está fraco, a taxa de juros básica está em queda e exibe o valor mais baixo
em décadas e a inflação está controlada, basicamente pelo efeito do câmbio
valorizado. É um quadro oportuno,
que permite uma expansão vigorosa
do crédito. Para tanto, é necessária
uma redução expressiva de seu custo.
É factível, desde que removido o terceiro obstáculo: tributação do crédito.
Não há paralelos no mundo de uma
tributação do crédito como a que há
aqui. A quase totalidade dos países
isenta ou subsidia empréstimos. O
Brasil vai no sentido oposto: em vez
de cortar gastos ou de tributar quem
tem disponibilidades abundantes, o
governo tira recursos dos tomadores
de crédito que necessitam deles para
fazer frente a dificuldades temporárias de caixa, para antecipar decisões
de consumo ou para investir.
Ilustrando o ponto, numa operação
de intermediação ideal de um mês,
com a taxa básica do Banco Central a
zero, sem custos operacionais, sem
lucro para o banco, sem inadimplência e com remuneração líquida nula
para o investidor, em razão de contribuições e impostos (IOF, PIS, Cofins,
compulsórios, CPMF, IRF e FGC),
custa para o tomador de crédito 30%
ao ano. Isso ocorre numa operação
que não gera valor para o banco nem
para o investidor. Um contra-senso.
O problema da tributação direta é
agravado pela tributação indireta, os
compulsórios. São recursos que os
bancos devem depositar no Banco
Central, e cumprem o papel de um
imposto. Como a remuneração do
compulsório é menor que a de mercado, existe uma renda (a diferença entre a taxa de aplicação de recursos e o
custo dos compulsórios) que é apropriada pelo Banco Central e repassada ao Tesouro nacional para equilibrar o orçamento. Em outras palavras, é um imposto disfarçado que incide sobre os tomadores de crédito.
A experiência internacional mostra
um uso cada vez menor do compulsório. A quase totalidade dos países já o
aboliram ou o reduziram a valores ínfimos por causa da distorção de seus
impactos como imposto e sua pouca
racionalidade como instrumento de
política monetária.
Na contramão, o Brasil possui os
compulsórios mais elevados do planeta. Em 31 de julho de 2006, os depósitos compulsórios do sistema financeiro no Banco Central totalizavam
R$ 154 bilhões, dos quais R$ 116 bilhões em espécie. Na mesma data, o
total de crédito ao setor rural e ao habitacional, somados, era de R$ 103 bilhões. São números sem justificativa
num quadro de estabilidade macroeconômica e crescimento baixo.
O resultado dessa tributação direta
e indireta é a permanência do custo
do crédito no patamar elevado que está. Seu caráter regressivo (os mais pobres pagam proporcionalmente mais)
e recessivo é uma incongruência, um
despautério.
Bastam duas medidas, uma do Ministério da Fazenda, zerando as alíquotas da tributação de operações de
crédito, e outra do Banco Central, eliminando todos os compulsórios, para
uma redução brusca do custo do crédito. Essas medidas induziriam forte
expansão dos financiamentos e, com
isso, gerariam mais investimento e
consumo e, logo, mais emprego, poupança e recursos disponíveis, num
círculo virtuoso que se repetiria e ampliaria. Todas as bases tributárias do
governo seriam expandidas.
As duas medidas propostas tirariam a economia brasileira do marasmo em que se encontra. A expansão
do crédito daria um empurrão na economia nos próximos semestres e criaria uma percepção mais otimista do
futuro. Não colocariam a economia
no crescimento sustentável, pois para
tanto é necessário mais, mas seria um
bom começo.
ROBERTO LUIS TROSTER, 55, economista, é doutor pela
Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos
Bancos) de 2001 a 2006.
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