São Paulo, Terça-feira, 19 de Outubro de 1999 |
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Vacinação: o papel da auto-suficiência
ISAIAS RAW
Numa combinação de benemerência, tática de negócios e tentativa de criar monopólio, algumas empresas se dispuseram a fornecer vacinas para os países menos desenvolvidos a preço especial. A vacina tríplice, vendida nos EUA a US$ 8, passou a ser fornecida a US$ 0,07. Mas as empresas já estão recuando, deixando os países pobres em situação difícil. O Instituto Butantan tem fornecido ao ministério não ao preço internacional, mas a preço aproximado do "subsidiado". O impacto do programa não pode ser medido pela simples substituição de importações e criação de empregos. Há o desenvolvimento de competência tecnológica, que não ocorre nas bancadas de laboratórios, mas na produção de fato. Hoje o Butantan dispõe do maior laboratório de desenvolvimento de biotecnologia para a saúde, com 27 doutores e experiência comprovada em criar e implantar novas tecnologias. Associados ao Instituto Adolfo Lutz e à Fiocruz, estamos completando o desenvolvimento de uma nova vacina contra a meningite BC (a existente não vacina crianças de menos de 4 anos, as mais sujeitas à doença). Colaboramos também com a Fiocruz no desenvolvimento da vacina contra a esquistossomose. O Butantan lançará até 2001 a vacina quádrupla (DPT-hepatite B) e se associará à Fiocruz para produzir a vacina pêntupla (tríplice-hepatite B-hemófilos B). Também lança em breve a nova vacina contra raiva e no próximo ano inicia a produção da vacina contra influenza, um tipo de gripe (que, apesar de não eliminar a doença, evita internações custosas e a morte de idosos). Só essa iniciativa reduzirá o custo da vacina dos idosos à metade. Em 2000 o Butantan passa a exportador de soros e vacinas. Com a experiência acumulada produziremos, a preços muito menores do que os do mercado internacional, o surfatante pulmonar (que pode salvar milhares de prematuros), a eritropoietina (essencial para pacientes renais aguardando transplante) e a toxina botulínica (usada em estrabismo e para eliminar contraturas), que se somam ao soro antibotúlico e aos soros que combatem a rejeição de transplantes. Basta comparar o orçamento do setor de produção do Butantan (R$ 2 milhões e 180 funcionários da divisão de produção, menos do que quando nada produzíamos) com o valor do produto -ridículo em relação ao do mercado, que neste ano chegará a R$ 14 milhões-, mais a geração de uma centena de empregos diretos (pagos pelo fornecimento de soros e vacinas), para verificar que não há subsídio público. Bem ao contrário, parte desses recursos retorna ao Butantan, permitindo desde manutenção até financiamento de contrapartida para pesquisas científicas básicas e atividades culturais, recuperando o prestígio deste instituto, que chega ao centenário. Como Roberto Campos citou na Folha, "não é função do governo fazer um pouco pior ou melhor o que outros podem fazer, e sim fazer o que ninguém pode (ou quer) fazer" (lorde Keynes). Isaias Raw, 72, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Fundação Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan (1991-97) e professor visitante do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (1971-73) e da Universidade Harvard (1973-74). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Romano: Escândalos no mundo universitário Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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